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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Solitude” domina pub à meia-luz

O tema vem à tona em uma época em que o Censo revela ter quase quatro mil pessoas falando pras paredes. No teatro, a solidão evoca emoções dúbias: abandono ou autoconhecimento

Foto: Carolina Alberton Leipnitz



Uma livraria estilo pub vira movimento divulgador da arte. No palco, a solidão; na plateia, pessoas com mais de 30 anos e duas adolescentes. O tema gruda em quem atinge amadurecimento cronológico ou pessoas sensíveis à ponderação. Mas a solidão é um campo vasto que evoca abandono ou autoconhecimento. Em Lajeado, quase quatro mil pessoas vivem em lares compostos de uma só pessoa, segundo o Censo 2010. “Singles”, que adoram comida instantânea e vivem apressadamente, no ritmo da aceleração dos dias modernos.


Singles podem ser solteiros, separados e viúvos. Ou jovens que vão para outro país em busca de si mesmo. O texto do escritor lajeadense Ismael Caneppele, que hoje mora em Berlim, funcionou como pano de fundo para o pocket show de 50 minutos apresentado na Espazzo Livraria Pub nesta semana. A jornalista Laura Peixoto criou os esquetes baseada na solidão de duas irmãs morando juntas. Ela própria faz a irmã carola, e a atriz Monica Kirchheim dá vida àquela que está entrevada em uma cadeira de rodas. Ambas passam a vida esperando alguém. Enquanto aguardam, implicam entre si: “Padre Hermann não vem mais aqui trazer as hóstias”. A outra retruca: “Também, da última vez você disse que elas estavam azedas”.

Persiste um sorriso na plateia compenetrada. A melancolia misturada ao bom humor, na penumbra do pub, evoca um clima intimista.

“Quando a gente se debruça sobre a solidão, percebemos  o quanto essa privação faz parte da condição humana”, pensamentos da jornalista que abundam na mente, blog ou redes sociais.

Atores singles

Paulo Arenhardt encena o homem que lê. Personagem que abre a cena em uma mesa, acompanhado de um copo de vinho. Com 57 anos e separado, o advogado faz da solidão um exercício. “Tenho vários dias de solidão e é uma ocasião de grandes reflexões e de crescimento de alma. Não sou deprimido.”

Na banqueta ao canto, o artista plástico Alessandro Cenci (38) dá o tom da música. Violão, voz e solidão: “Só eu sei as esquinas porque passei”. Cenci mora sozinho porque acredita que a solidão é um processo criativo. Não há drama na vida single. Quando o homem perceber que a solidão é inevitável, transforma o modo de encarar a realidade. Caneppele, que emprestou seus textos ao pocket show, metamorfoseou o sentimento no outro lado do oceano. E por meio do teatro trouxe a mensagem: “não há necessidade de fotografar a solidão. Ela é sempre o melhor registro”. No fim da peça, os flashes espocaram.

domingo, 9 de outubro de 2011

Personagem de rua

À sombra da praça

Às 15h30 da tarde a Praça da Matriz não é lugar de criança. Ocupam  brinquedos e bancos prostitutas que negociam o prazer, sujeitos que abraçam garrafas de cachaça, dependentes químicos ávidos pela nicótica, álcool e a pedra madita,  crack. A praça, em frente ao colégio, não acolhe qualquer estudante. Não há um fio de vida jovem saudável nela. Defronte está o setor de inteligência da Brigada Militar. Policiamento ostensivo. O nome não ostenta qualquer confronto. Policiais militares cruzam o local, conduzindo-se altaneiros fora da praça, nem com o “rabo” do olho notam os personagens locais. Disfarçam. Ali, Júlia Teresinha Semler (40) disfarça o tom da vida. Em latim, o nome de batismo indica alguém cheio de energia. Não é assim com Julia, a “Neca” da Praça da Matriz.  Há algum tempo, deixou de morar na rua. O marido e a irmã lhe resgataram dos becos e do coreto da praça para abrigá-la em uma casa no Bairro Hidráulica. Foi, mas não cessou de fumar a pedra da ilusão. O crack a atormenta há quatro anos. “Eu penso o que está havendo com minha vida. Eu não tenho forças, não consigo ir para frente”. Neca chora.  Conhecidos que avistam a cena do outro lado da praça, gritam: “Não te abala, Neca.” Mas Neca, pensando ser sarcasmo, porque na vida de rua nada é de verdade, rebate sem pensar:  “Vai, meu”. O verde, a sombra das árvores, a imagem de certa forma limpa e aprazível da natureza lhe da esperança. É ali que espera por uma internação. “Estou para me internar, estou esperando vaga na fazenda”.  Quando Neca fala, uma janela se abre nos lábios. Pelo menos quatro dentes sumiram do dia para noite. Ela não sabe em que momento os perdeu. “No outro dia levantei, fui olhar na boca e os dentes não estacam mais. A ponte caiu porque eu estava muito drogada.” Neca não furta, pede. Neca não se mistura com os dependentes da praça ou da ciclovia. Mantém sua privacidade no anonimato da área de lazer.


Publicado em setembro no jornal O Informativo do Vale

 Há tempo não conversa com as duas filhas que estão sob os cuidados de uma instituição.  Sem dente e sem documento, reza todo o dia para deus lhe ajudar.  Neca tem medo que o crack seque seus pulmões. “Eu estou esperando (uma vaga). Uma hora eu vou morrer.” Não faz o estereótipo do viciado abusado, amoral e sujo. É desleixada, mas educada. “Aqui todo mundo me adora”. E se apega a esse fio de orgulho como se fosse a ultima autoestima de sua vida.  Na praça, ela permanece do meio-dia às 17h. Diz que se ficar em casa pensa bobagem.  Ali, pelo menos durante cinco horas, seus pensamentos não sejam tão dolorosos. Mas ela sabe que isso também é ilusão, como também o é o prazer ilusório da pedra. Percebe que precisa de mãos que lhe agarrem e se agarra em qualquer estranho que possa representar auxílio. “Se vocês conseguirem uma internação para mim...”