terça-feira, 24 de abril de 2012

A herança da “máquina triforme”



Íntima é uma palavra bonita, mas o órgão sexual feminino é uma palavra tenebrosa.  Quem for pela palavra, jamais chegará lá. Parece algo pernicioso. Coisa que não é, porque bem se diz que brasileiro adora fornicação

 Trago o assunto à baila porque Erasmo Carlos me fez pensar sobre o tema. Estava eu na cama semi-acordada quando  ouço  o cantor declarar para um canal de televisão: “quem criou o português devia ter inventado palavras mais bonitas para as partes íntimas”. Minha filha que tem 12 anos também ouviu. Refletiu e me disse: “é verdade mãe, as pessoas tem mais medo das palavras do que o ato em si”. Logo depois a gente chegou à conclusão de que talvez não seja a palavra tão feia, mas o que ela evoca que a deixa assim tão “desairosa”.  Realmente, não há decoro  com o que o tio Aurélio define como: “designação comum a diversas formações com feitio de bainha.”
Acho que a gente é preconceituoso com as palavras. Quando a periquita é a ave, o nome é até jeitosinho. Quando vira eufemismo dos dotes femininos, aí vem aquele sorrisinho. Existe mais de 700 espécies de pererecas que gostam de viver em galhos de árvores. Mas a gente só ri quando se trata daquela que não é da família dos anfíbios.  Por que damos nomes tão feios a algo que todos julgam prazeroso? Se o que dá prazer envergonha, porque não temos vergonha de dizer Cho-co-la-te?Chocolate não é coisa íntima, a não ser que você queira chamar o do seu marido de “ouro branco” ou “diamante negro.”
E como se as partes íntimas já não fossem íntimas, na tentativa de ficarmos mais íntimos com nosso companheiro, temos a mania de dar nomes carinhosos. Creio que essa mania começou com Dom Pedro. Juro. Quem leu a obra 1822 do jornalista Laurentino Gomes vai matar a charada sobre a “máquina triforme”.
Vou fazer um breve resumo: a imperatriz Dona Leopoldina era uma mulher feiota, gorda e depressiva. (Naquele tempo não tinha Prozac). Mas era da mais alta realeza da Europa. Super culta e caridosa, costumava ajudar os pobres brasileiros. Foi ela a verdadeira proclamadora da independência junto com José Bonifácio (que era maçom). Dom Pedro  batia nela - naquele tempo a Lei Maria da Penha era uma utopia. Em sua última gravidez, Dom Pedro deu um chute em sua barriga e ela morreu no dia seguinte. Enquanto a defunta nem esfriava no caixão, o Pedro, que tinha o dom  fornicava com a sua amante. Este sim foi seu verdadeiro caso de amor: Marquesa de Santos. Eles formavam o casal 20 da época. A paixão era avassaladora e consumia o casal. O romance dos dois rendeu um dos conjuntos mais pitorescos da historia. Nas cartas para a marquesa, Dom Pedro assinava como: "O Demonão" e "Seu Fogo Foguinho". E a marquesa intitulava  a  genitália dele como  "máquina triforme".
Pedro era um “latin lover” meio abrutalhado e cheio de autoestima. Laurentino Gomes diz que o imperador utilizava nas cartas com a marquesa uma linguagem de borracharia.   Se Dom Pedro existisse hoje e reinasse entre os comuns, aposto que seria um Alexandre Frota.
Cento e noventa anos depois a mania dos apelidos continua. A marquesa que era bonita, mas um tanto cheia para a época atual não tinha nada de Larissa Riquelme e a bem da verdade, de lá para cá as alcunhas sexuais cresceram.  Apelidar é uma forma de ganhar intimidade.  Criativo como só o brasileiro consegue ser com tantos sinônimos, me indago, assim como Erasmo Carlos,  porque em o sistema genital feminino não pode ganhar o nome de Esperança e o masculino de Cachorro, já que muitas vezes a gente chama o homem de cachorro e para as mulheres, a esperança é a última que morre.  Mas enfim, não são as palavras que sustentam as histórias. São os atos. Dizem que Dom Pedro teve mais de cem filhos. Se ele tivesse sido menos mulherengo, talvez não existissem 190 milhões de brasileiros. É a herança da máquina triforme. 

Os dois lados do Seu Oswaldo


 Diferentemente dos líderes empresariais da região, Oswaldo Carlos van Leeuwen é reconhecido pelo  nome e não pelo sobrenome. 

Dado o respeito que angaria com a comunidade e os funcionários, invariavelmente o pessoal coloca o “seu” na frente para marcar a reverência. Nem precisa. “Seu Oswaldo” como homem derivado do microfone, dispensa cerimônia e aprendeu a fazer rádio na marra. Oswaldo viu muitas vezes o canto, gauchesco e brasileiro, já que Alegre era sua audiência nos postes com alto-falante.
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Um dia chegou em Lajeado, motivado a empreender. Um amigo dele disse: “vou te apresentar uma rua grande como esperança de pobre”. Era a Julio de Castilhos, um descampado de estrada de chão.
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O Oswaldo colocou um jornal, empregou meia duzia de gente e se foi fazer informação. Porque ele tinha arrepios de ouvir falar em ser médico. E era tudo o que o pai dele queria, que seguisse a medicina.
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Oswaldo entornou o caldo e com o jornal crescendo, se tornou o porta voz dos médicos, advogados, professores. No fim, deu mais certo do que seu próprio pai previu. Mas se o guri tivesse sido obediente na época, o Informativo não estava aqui para contar histórias hoje.
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Ninguém pegou o tempo em que seu Oswaldo era galã. Mas quando ele se tornou pai aos 68 anos, virou um chefe ainda mais admirado. Esse é raçudo. E aos 82 anos anda na moda com iPhone, uma esticada prolongada na praia todo o verão, um programa de entrevistas na TV Informativo e uma inquietude que o faz madrugar. Chega antes de todo mundo à empresa.
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Seu Oswaldo lança cápsulas de sabedoria pelos corredores. Uma hora fala com este, outra com aquele e vai largando sua  experiência de vida entre um dito e outro. Ele diz que a vida é uma escada com 33 degraus e quem está no mais alto tem que saber descer para ouvir aquele que está abaixo. Nem tudo é completamente bom ou mau. Tudo tem os dois lados. O verso e o reverso, o côncavo e o convexo. E o bis de seu Oswaldo aos jornalistas é sempre o mesmo: “escutem os dois lados”.  O jornalismo é a arte de ouvir as partes. O legado de um decano da informação.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Jonas e a metáfora da baleia




Alguém ai se lembra de que Jonas era um profeta servo de Deus e que foi engolido por uma baleia porque fugiu para que Deus não o achasse? Nem Pai Google de Oxum lembra disso porque quando se coloca na busca “Jonas” aparece o galã lajeadense que o BBB catapultou. Talvez motivada pelo nome bíblico, dona Marlene colocou o nome no bebê e a baleia, no futuro, seria a fama. “A baleia é sua casa, sua cidade, dentro dela guarda suas gravatas, seus ternos de linho”, cantas Sá e Guarabira numa das hermosas músicas da dupla.

Mas o Jonas moderno, que foi escrutinado na televisão, não é cegado pela baleia, e nem depois foi devolvido  à vida numa praia em Nínive. É sim, e isso é verídico, um cara que foi dado às feras, como no Coliseu romano, quando a política do Pannis ET Cicerncis navegava o mais poderoso governo da terra. Mas nós somos os devoradores e os devorados. E com tanta ânsia quanto vomitávamos o preconceito contra a beleza. “Esse cara não tem nada de bom. É só um rostinho bonito”, também vamos a ele fotografar. Para pegar carona na fama, ainda que seja para dizer para o nosso  pequeno círculo em que somos famosos. “ó, eu estive com Jonas. Se eu tive com ele, eu mereço ser visto”.  É engraçado porque não dá para falar que Jonas sequer teve vontade de ir ao BBB. Que eu saiba , ele não enviou sequer um  vídeo, foi fisgado por um olheiro, e como bom administrador monetário, fisgou o peixe. Eu também fisgaria.
Ele é original quando diz, portanto, que o BBB e a atuação não fazem parte de seu sonho. E talvez por isso possa se dar ao luxo de ser ele mesmo. O cara não faz restrições tipo: “não falo da minha vida íntima”,  “não me pergunte isso nem aquilo.” O cara fala e também não dá o desprazer de desprezar algo que lhe desagrada. Ele critica, mas não despreza.  Pondo estas questões na mesa, se as celebridades ficassem ao nível de Jonas, estaria de ótimo tamanho.
O cara pode não ter uma Fundação Gol de Letra para financiar. Mas também, ele mal saiu do BBB e tampouco faz vergonha para ninguém. O cara é bom galera, intrinsicamente bom. E isso está na lata. Eu até acho que a gente acha ele mais bonito do que ele de fato é. Porque por três meses inoculamos nas fotos e imagens, o pictórico de um cara centrado, sensato e gente fina. Jonas é barriga tanquinho, angariou fama e é sim, gente fina. Porque só porque faz sucesso não pode ser gente fina?
Mas eu me espanto com a voracidade das pessoas. Eu não acho que as pessoas queiram Jonas tanto assim realmente quanto eu vi no Centro da cidade. Meu Deus, elas quase viraram o carro. Eu pensei: “aiiiiiiiii, vão arranhar a pintura, vão estragar o carro”.  Os dois seguranças arrastaram o galã para dentro da loja. Ele ficou espantado, juro que vi um ar de surpresa nele com tamanha recepção.  As pessoas não querem Jonas tanto assim, elas querem um pedaço do sucesso dele. E isso contagia. Tu nem acha o cara tão fenomenal assim, quando se  dá por conta, está láa no epicentro da multidão tentando vê-lo com sofreguidão.
A fama espanta até o famoso.  Mas há um ingrediente na fama que diferencia um famoso de outro ou de livrar a pessoa da subcelebridade. É o carisma, algo intangível, mas diz-se de alguém com luz própria, não propriamente bonito, mas que exerce uma atração. Carisma está ligado ao modo como uma pessoa influencia um grupo, uma multidão e isso para mim tem a ver, com genuinidade. Quando tu olha para uma pessoa e sente que o que ela está dizendo não é atuação e quando você vê que apesar das hordas de fãs histéricas, o sorriso continua genuíno, pô, essa pessoa tem carisma.  Quem é que aguenta, gente, mesmo com 50 mil na jogada, rir de verdade por horas a fio? Existem 29 tipos de sorrisos, só um é verdadeiro. E isso a neurociência prova. E nós também.
Jonas não é santo e nem faz questão de ser. Ele disse que ficou por ficar na casa com as gurias e que há alto índice de piriguetagem. Não falou isso com desprezo, falou porque nós perguntamos. A imprensa pergunta, bisbilhota e provoca. Ele não recuou, não encobriu o véu, não se fez de rogado.
Mas ainda assim eu me espanto porque em 20 anos de cobertura de políticos, shows, cinema e eventos, nunca vi tamanho frisson. Nem Tiago Lacerda, Letícia Spiller e Caco Ciocler juntos causaram tanto alvoroço quando estiveram aqui. E se for questão de proximidade e simpatia, temos a Shirley Mallmann. Nem ela causou isso. Se for por estar na Globo, Lacerda é da Globo.
Então, as vezes não é nem o canal, e a proximidade. É o grau de Carisma das pessoas. Creio que a Gisele Bundchen tem isso. Onde vai causa celeuma e olha que não é a mulher mais linda do mundo. É linda, mas não a mais.
Dilma já veio aqui como ministra. Não causou  nem cócegas. Política é um assunto chato pra gente ser tiete. Mas creio que deveria ser um assunto mais urgente. Deveríamos andar atrás dos deputados assim como andamos atrás de Jonas.




Em cada um de nós há uma pontinha de inveja desse sucesso inesperado: “Pô, esse cara nem lutou tanto e já nasceu bonito e vai ganhar papel na Globo. Pô, que saco. E eu aqui descascando batata no porão.”
Jonas quase foi um filho do asterisco, mas depois pai e filho se fortaleceram. Um é a cara do outro, mas o descendente não vai ser ausente na sua descendência. Isso também está na cara.
O sociólogo francês Pierre Bordieu detectou quatro formas de capital que foram consagrados por ele.O capital social (quem conhecemos); Capital Econômico ( o que temos); Capital Humano (o que sabemos) e Capital atrativo ( beleza física, charme e elegância). Pesquisas indicam que só 2% dos homens de todo o planeta são extraordinariamente bonitos. Porque Jonas não vai usar o que lhe foi dado em profusão?
Li na revista Época há algum tempo e eu guardei a reportagem, que um pilar na sustentação teórica do valor da beleza está na escassez. Os 2% ou 3% de pessoas bonitas na população são raros o suficiente para que haja mais demanda do que oferta por elas. Não existe neutralidade diante da beleza.  As pessoas se sentem bem na presença dos belos.  Freud diz que o prazer de olhar é igual ao de tocar e isso impulsiona o canal erótico. Os cientistas criaram um termo chamado efeito aura. A beleza é associada ao êxito, saúde, liderança e caráter. O “efeito aura” cria a expectativa de perfeição em torno da beleza física e favorece espontaneamente (e injustamente) quem nasceu bonito. É. Injusto, é, mas também ninguém denigre Stephen Hawking por ser um crânio inteligente.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Eu quero um barril com wi fi



Já repararam que quando você está com foco em algo  começa a ver sinais ? Por exemplo, se comprou um Fox vermelho, perceberá pela cidade que existe mais desse tipo de carro do que jamais pensou. Pode ser  coincidência, mas o psicanalista Jung fala em Teoria da Sincronicidade. 

Li um trecho de "O Homem e seus Símbolos". Ali Jung diz que muita coisa que a gente percebe da realidade é permeada por aspectos inconscientes. No início, a gente ignora o que está no porão da nossa mente, mas os acontecimentos brotam do inconsciente como uma espécie de segundo pensamento  e isso  é tão espontâneo  que pode aparecer em forma de sonho.  São aquelas “coincidências” que nos  deixa boquiabertos. Entenderam? Bem, é complicadinho, mas vale  a reflexão.
Esse preâmbulo é que, preocupada com o cheque especial, as contas e o meu “holerite”, passei a inocular a miséria e o coitadismo e mergulhada nesse meu dilema vi  uma notícia que me chamou atenção. É a  historia de um irlandês que conseguiu viver durante três anos sem nenhum tostão.  Nenhunzinho. – Ah, não acreditei. Fiz igual ao Crô da novela. Botei a mão na boca e disse: “não, para tudo, paraaaaaaaa”. Olha o sinal aí gente, eis a sincronicidade de Jung.
Na revista, Mark Boyle se mostra senhor de si. E pasmem, o homem sem dinheiro é um economista. Com  32 anos  quer convencer o mundo de que o dinheiro é supérfluo.  E se ele quer convencer o planeta, quer me persuadir também.  Invejei horrores esse  Diógenes moderno. Poderia ser meu guru,  até porque eu não teria muita bagagem para deixar para trás.  Digamos que um Corsa 1995 não é nenhuma relíquia.
Ele jogou tudo fora e foi morar num pedaço de terra na Inglaterra. Planta o que come e só de pensar que ele não semeia chocolate, já fico venerando este cristão. Se banha num rio perto de sua casinhola e utiliza a vegetação como papel higiênico. Deixou o “Snob” de lado.  Pelas fotos que vi na Revista Galileu e depois investigando em sites de ciências, Boyle é saudável, bronzeado e tem um corpaço. De forma alguma parece um ermitão de barba grande e olhos esbugalhados. Um “gato” ou talvez um tigre indomado.  Improvável que seja  parente da Susan Boyle.  A frase que lhe deu o insight a gente já viu em muitos Facebooks da vida e também nos status de MSNs. “Seja a mudança que você quer ver no mundo”.  Decidiu viver sua própria mudança e pensou: “se a raiz de toda a insegurança e medo do mundo é o dinheiro, o que aconteceria se me livrasse dele?”.
Aconteceu tudo.  Boyle se viu dentro de uma espiral de libertação que trocou seu nome para “Liberdade” em gaélico. Boyle garante que se o  mundo for para o brejo, a culpa é do dinheiro.  O Homem Sem Grana, virou manchete em todos os jornais e revistas do mundo. Mas para vocês verem como são as coisas, só agora me deparei com a história dele. No futuro, quer fazer uma comunidade que pensa igual a ele. Jura que terá adeptos.  “ Muitos querem saber como viver sem dinheiro, já que não têm dinheiro”, destaca o liberto. Eu sou uma .
O que me impressiona é a pecha que dão a quem quer quebrar os padrões vigentes. . A verdade é que a perplexidade em viver voluntariamente com pouca grana causa espanto e incredulidade.  Nossa cabeça simplesmente não aceita que as pessoas não querem o conforto, o sofá, o micro-ondas.  Não é de hoje que é assim. O personagem mais fascinante da história para mim é o filosofo Diógenes:  uns 400 anos antes de Cristo, ele  perambulava pela Grécia, morando dentro de um barril.  Não só desprezava os bens materiais como dizia  que toda fadiga é necessária para obter a realização. Se exercitar e cansar é o único caminho viável ao homem. Por isso peregrinava pela Grécia. Encontrava imperadores e fornecia cínicas. Por causa da sua língua, ficou sendo o pai do cinismo.  Diógenes, o cínico não era mau, incitava a ponderar.  Era um crânio anarquista. Só de ler as respostas que ele dava e a forma como pensava,  me arrepio. Dizia ser Diógenes, o cão, enquanto o rei era Alexandre, o grande.  Defendia a ideia de que os humanos deveriam aprender com os cachorros.  Afinal, um cão vive o presente sem ansiedade, aprende instintivamente quem é amigo e quem é inimigo e não faz estardalhaço sobre o lugar de dormir. Eu não consigo nem dormir fora da minha cama box e preciso de 12 laxantes quanto estou vem viagem. Preguiça intestinal era coisa que Diógenes mais odiava.
Um dia Diógenes foi visto pedindo esmola a uma estátua. Quando lhe perguntaram o motivo de tal conduta ele respondeu "por dois motivos: primeiro é que ela é cega e não me vê, e segundo é que eu me acostumo a não receber algo de alguém e nem depender de alguém." Diógenes, meu cínico predileto.  Só preciso do meu barril com wi fi. E um iPhone. 

terça-feira, 10 de abril de 2012

Peripécias de um exorcista sem paróquia



Em Santa Clara do Sul, o “padre bruxo”,  protagoniza uma série de histórias que o fazem um sacerdote diferente. “Eu sou um estranho no ninho”, conclui padre Hilário Dewes, sentado num dos dois sofás da sua “tenda” – vocábulo para  seu cômodo de 25 metros quadrados onde está morando atualmente, no Centro da cidade.  É ali, espremido entre um banheiro minúsculo, a cama e o fogão portátil que ele faz seu consultório de parapsicologia. 


 O padre chama seus pertences de “badulaques” – inclusive a cruz -  diz que a Bíblia foi escrita por “gente quase analfabeta para analfabetos” e  catequiza através da hipnose.

 Há poucas semanas, era o pároco oficial de Santa Clara do Sul. Ele diz que foi retirado da paróquia por fugir do que reza a cartilha tradicional. “Foi um grupo de padres que não me aceitou porque eu proponho coisas diferentes.”

Diz que a Igreja é um contrasenso e  não teme represálias. “Agora eu me sinto livre.”
Fora da paróquia o padre continua benzendo, batizando, rezando missa onde é convidado a ir.


Versão do padre Quevedo

Padre Hilário é a versão local do Padre Quevedo – um jesuíta polêmico que diz que fenômenos como possessões não existem.  “Tenho tudo do padre Quevedo, menos a brabeza”.  Sorrindo com o chimarrão na mão,  esconjura o satanás com a mesma calma com que o sorve. Para o padre bruxo, o demônio é uma energia mal utilizada. Hilário expulsa o capeta com técnicas de parapsicologia.E para suposta possessão demoníaca, o bruxo utiliza a reprogramação mental. 
Padre Hilário percorre o Rio Grande do Sul promovendo cursos para empresários, grupos e entidades.  Também faz consultas, regressão e palestras. Diz que é um “padre bombril” – porque faz de tudo um pouco.
Enquanto houver gente com sofrimento psíquico, o sacerdote bruxo vai missionar assim: com fé, hipnose e treinamento da mente.


  “Se os padres tivessem vergonha na cara, teriam  amor ao povo. Eles são carrascos  na maioria das vezes. Digo porque é verdade. Eles tem de se tornar gente.”



“O demônio é  uma energia. Os cristãos transformaram-no em bicho, a energia mal usada.”


 “Eu proponho coisas diferentes, fora da cartilha tradicional. Quem não me aceitou mais na paróquia foram os sumo-sacerdotes,  os mesmos que mandaram matar Jesus. Se Jesus viesse aqui, eles também o eliminariam da Diocese”



“A bíblia pode ser entendida como uma manifestação do inconsciente coletivo de uma experiência com Deus entre muitos povos. Eu estudei muito Freud na psicanálise e ainda acho que não entendi um por cento”.





sábado, 7 de abril de 2012

Entre Jesus e o Jornalismo


Sábado de Aleluia é Dia do Jornalista. Não é estranho que o Dia dos Jornalistas é bem na Páscoa, quando Cristo foi crucificado?

Talvez Judas fosse jornalista (se dizia escriba naquele tempo) ganhava pouco e para obter 30 conto de reis entregou Jesus. E mudou a história toda..Bem, talvez porque os apóstolos foram os maiores jornalistas de todos os tempos, a data valorize os escribas modernos.

Mas a correta dose de explicação, me deu meu editor Ermilo Drews, com lucidez de quem tem o borogodó do jornalismo no sangue.

Por que a Sonia Abrão ganha R$ 500 mil por mês para falar de fofoca na televisão e eu tenho como piso-base R$1,4 mil?

Um dia antes da data em que os fariseus crucificaram Jesus, depois de três cervejas compradas na quitanda e de ter assistindo uma lição de sabedoria de Lima Duarte na TV Xuxa (olha que coisa mais assimétrica), ele me lasca essa:

- A Soniazinha ganha R$ 500 mil e tu R$ 1,4 mil simplestemente porque o povo quer. Existe traficante pq existe maconheiro, crackeiro e cheirador de farinha. Existe jogador que ganha R$ 500 mil em um país onde o salário mínimo é quase isso (descontado o mínimo) pq o sujeito que ganha um salário mínimo mantém esta roda viva, indo a jogos, assistindo ao jogo no boteco. Existe programas de fofocas com apresentadores bem pagos porque as pessoas consomem isso. Então, que as pessoas se f..., sigam o mesmo passo, pq eu vou no compasso, olhando Xuxa e tomando minha cerveja no Dia do Jornalista. E o que o de nome comprido acima disse é fato. A tua vida não é nenhum comercial de margarina, mas sabedora dos contrastes do mundo, como jornalista que é, tu e ninguém poderia ficar reclamando como um adolescente beiçudo. Ninguém que tem Facebook sentiu na carne o que é vida difícil.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

figura de linguagem

Papo de páscoa:

Digo que a vida tem que ser mais figura de linguagem e menos conceitos que estao engessados pela academia.

Meu pai retruca

- Tá querendo escrever a Bíblia agora?

União e paz na pascoa familiar

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Sou jornalista, mas sou limpinha


Quando a Fátima Bernardes nasceu, Deus disse: “Desce e arrasa”. Quatro anos depois, eu quis pegar carona nessa premonição e falei para o Altìssimo: Ó senhor, me deixe ser jornalista igual à Fátima. Talvez ele tenha confundindo que eu queria ser igual àquela Fátima de Portugal – das três crianças pobres que vislubraram um fenômeno na estradinha de chão. Aquela que virou santa. Tres crianças sem dinheiro e sem moral. Deus, na atual conjuntura, tem muitas vozes e pedidos para ouvir. É que o Uno deve ter confundido meu pedido. Mas ai então eu desci e em vez de arrasar como a Fátima do tio Bonner, me ferrei como a Fátima do fenômeno.



Fui levando a vida, desapegada do materialismo extremo. Quando dei por mim, percebi que meu Corsa 95 já vai atingir a maioridade e que eu tive de costurar os bancos com agulha e linha cinza da minha mãe.  Percebi um certo endurecimento na direção, talvez coitado, esteja pegando reumatismo. E me dei conta que estou sempre a um passo do SPC. Não, não foi a banda do Alexandre Pires que ressurgiu e eu jamais cheguei perto dele para entrevistá-lo. Mas suas músicas poderiam  servir de metáfora para meu pai me dizer: sai da minha aba sai pra lá... 
Já para mim, cairia bem o refrão: eu não tenho culpa de viver pobrinha, no meu cantinho rezo pra pagar. Levo a minha vida, bem enxugadinha, trabalho pra viver, não pra badalar. O meu textinho uai, é bom demais, não tem como duvidar.  Quem pagar vou me amarrar... Ai, ai, paga um pouco mais...
Então, agora, com talento para escrever mas não para cantar, gostaria de pedir a  força de vocês. Eu sou pelada de grana e visto a camiseta do trabalho. Se alguém souber de um trabalho por fora, uma assessoria, um servicinho que possa me render nada que um Eike Batista ganha, mas um plus que possa ajudar a pagar a fruteira, a farmácia e a escola da minha filha, eu honestamente, ficaria imensamente grata.  Eu sou limpinha, organizadinha, chego sempre no horário. Eu  reconheço que sou bipolar, mas  eu sei cumprir minhas tarefas, sei escrever para folder, para house organ, para políticos e entidades de classe. Se quiserem me contratar para feiras, eu não sou nenhuma beleza estonteante, mas faço bonito nos relises. Eu queria mudar meu iogurte Languiru para um Activia de vez em quando. Não estou pedidndo muito, só algumas vezes. Não me importo que meu papel higiênico não seja Neve. Juro, sou desapegada disso. Mas sabe, as contas eu queria pagar e parar de ter vergonha de abastecer cada vez o carro com R$ 10. Ah sei La isso fere a autoestima da gente. Se alguém, meus amigos, já que eu tenho mais de 1.900 pessoas no Facebook- souber de alguma coisa legal, por favor, entrar em contato.
Eu também preciso pagar sertralina, meu remédio que preciso tomar sempre, ininterruptamente. E é com humildade que me coloco a disposição do Sindicato dos Comerciários, da OAB de Lajeado, do Sindicato dos Sapateiros, do Grupo de Sargentos, de todas as empresas que vivem e pulsam na pujante Lajeado, Estrela, Arroio do Meio, Cruzeiro do Sul, Forquetinha, Paverama e arredores.

Assinado: uma trabalhadora que não faz greve e não quer vender o voto. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Três dias depois do desabafo



Três dias após eu publicar no Pitônicas, O Vale das Meias Palavras, recebo muitos comentários. Na verdade, desde que eu comecei a fazer a coluna, esta foi a crônica que de longe teve mais manifestações. Quando eu a escrevi, de um fôlego só, sem nem olhar para os erros de português ou puxar pela memória para achar a palavra mais bonita, eu estava com muita raiva por ter sido "cerceada" e coagida a usar meias palavras. Não pensei realmente nessa repercussão porque achei que eu estava falando algo tão obvio, tão banal que era chover no molhado. Julguei mesmo que as pessoas pensariam: "ah não, mas agora ela quer envolver assunto particular em coluna pública: azar o dela que escolheu esta profissão". Fiquei abismada como as pessoas pensam iguais a mim e nao só no mundo jornalístico. Pessoas de fora do jornalismo foram ainda mais convictas: "chega de meias palavras" Por telefone, por Facebook, por e-mail, me falaram que eu tinha coragem e que era para "continuar assim." Eu agradeci a todos e fiquei feliz com esta motivação. Porém percebi algo: ninguém me falou. "Continue assim, farei como você". Conta comigo para começar a dizer verdades inteiras. Todo mundo diz que está na hora de mudar. Ninguém quer ser o agente provocador da mudança. Talvez, no andar da carruagem, lá pelo meio caminho, quando as pessoas descobrirem que muitas estão dizendo realmente verdades, talvez descubram que o caminho é por ai e então sigam juntas.

Um político expôs um questionamento: E se começássemos a dizer a verdade verdadeira o que daria ? É um paradigma ? Será quebrado um dia ? Talvez ele tema que ao dizer as verdades abissais o mundo se torne mais caótico afinal todos avisam sobre o prejuízo do sincericídio. Não é para ser grosso. Embora grossura seja mais ética do que dourar a pílula. Com a crônica, eu quis fazer uma provocação. Eu comecei a escrever o Pitonicas com este proposito, de me colocar como telhado de vidro. Escrever é se expor, e se expor doi e nao é facil. Mas se a gente quer que os portais de transparencia dos governos deem certo, que sejam mais do que meros números jogados ao leu numa tabela imbecil, temos de deixar a zona de conforto de lado. Temos de deixar que falem mal da gente no texto de jornal, deixar que olhem a gente como eles nos veem. Vamos romper com o espelho da bruxa da Branca de Neve, aquele que dizia: você é a mais bela, rainha. Você é a mais honesta, rainha. Você fez o mais certo, rainha. É simples mas nao é fácil. E ademais, tudo é vaidade que passa com o vento. Se um repórter não foi tão lisonjeiro quanto você gostaria, lembre-se, haverá outra semana e mais outra. E você sempre poderá fazer projetos legais que vai conquistar o público e os jornalistas. Faz parte do jogo não agradar todo mundo. Por isso, agrade seu âmago sendo sincero. A satisfação interior que isso te proporcionará, ninguém vai te tirar. Envolva-se, comprometa-se, porque uma vida sem causa é uma vida sem efeito.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O Vale das meias-palavras



Eu sou louca?” Perguntei para minha colega Susi nesta quinta-feira de manhã. Ela pensou e disse: “Tu é sincera. Ninguém tem coragem de dizer as coisas que tu diz.” Eu estou sempre perguntando se sou louca para alguém. Só não posso perguntar para o meu texto porque ele não fala. Ele telefona. É assim mesmo, quando coloco alguma coisa com um olhar diferenciado na matéria, meia dúzia gosta, seis não gostam. Geralmente são os seis que estão relacionados a matéria.  Fugir do olhar domesticado é ver um fato de ângulo diferente, fazer uma pergunta que o entrevistado não está acostumado a ser inquirido. Não sei se isso fere, mas espanta.


Existe no Vale do Taquari a Síndrome das Meias-Palavras. Oxalá fossemos iluminados a ponto de não ter nada a dizer e assim não faríamos o mundo perder tempo. Mas temos sim algo a dizer. Só que só dissemos metade. Porque a outra metade não pode ser dita por isso ou por aquilo ou por aquele outro. Porque, “eu não quero me comprometer.”
O jornalista fica espremido diariamente entre o leitor que tem algo a falar e a fonte oficial que só pode falar aquilo que ela quer. Com um salário base de R$ 1,333, nós – jornalistas que estudamos quatro anos na faculdade para aprender que somos porta-voz e fiscalizadores da sociedade - estamos comprimidos de todas as formas. No bolso e com as fontes (os entrevistados). Porque é sempre assim: João liga para o jornal para reclamar do alarido que os jovens fazem perto da casa dele. Mas João não quer seu nome no jornal. “Não quero me comprometer”.
Maria aciona o jornal para reclamar do buraco da rua, da praça que está sem verde, dos ratos que invadem o coreto. Maria quer porque quer uma solução rápida. Mas ela não quer se comprometer, porque afinal ela é amiga dos secretários, do fiscal, do sargento.
Nós tentamos resolver porque somos porta vozes da sociedade. O secretário, vereador, major ou coordenador se irritam com nossas perguntas. E quando responde, é sempre pela metade: “não coloca isso porque não pega bem.”
Esta semana, por duas vezes, autoridades de órgãos oficiais me repreenderam sutilmente diante de matérias que fiz porque eu as elaborei por um ângulo diferente. “Isso você não deveria ter perguntando  ao entrevistado porque é bom deixar quieto.”
Há poucos dias, na inauguração de um prédio, estava entrevistando um morador quando o assessor de imprensa se interpôs entre o morador e eu. Me senti coagida, numa visível tentativa de me vigiar para me desestimular das perguntas.
Pô, se só temos de colocar o que as fontes dizem, se  temos de colocar o bonito, o belo e o que está diante dos olhos, o jornalista do Vale do Taquari não precisa ser testemunha ocular da história. Não precisa ter senso crítico. Aliás, ter senso crítico é ser uma pedra no sapato. Estou sabendo que sou persona non grata, mas não me importo. Meu compromisso é comigo mesma, porque eu sou leitora. E como leitora de jornais, revistas e televisão, sou critica quanto aos meus colegas daqui, do sudeste ou do nordeste. Quero que eles não tenham preguiça nem medo de dizer as coisas. Eu sou paga para ser chata. Jornalista que não é chato é legal para a fonte mas é um pé no saco para o leitor.


Esta semana morreu Millôr Fernandes. Senti muito mais do que a morte de Chico Anísio. Millôr tem um quê de Nelson Rodrigues. Ambos foram muito produtivos em vida. Que tristeza saber que nunca mais vamos ter repertório novo de Millor, ainda bem que ele fez e disse um monte de coisas. Que triste saber que há muito tempo não temos algo novo de Rodrigues.Mas suas frases são impagáveis e mais atuais do que nunca. Esta é para todo e qualquer egresso que ousar fazer   vestibular de jornalismo e para ser utilizada em toda sua vida de repórter:  

Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de "ilustre", de "insigne", de "formidável", qualquer borra-botas.”

Não fui eu quem disse. Foi Rodrigues. Eu sei que vai ter gente se irritando com essa crônica. Mas e daí? “A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem." Nelson Rodrigues me salva da zona de conforto.