
Amanhã tem Oscar. A Rede Globo topou a parada e vai televisionar a festa mais glamorousa do cinema. Celebridades, aquelas que figuram no Olimpo, deslumbrarão o mundo com vestidos suntuosos e jóias de pesados quilates. Tapete vermelho, flashes e o planeta embasbacado: Angelina Jolie e Brad Pitt são reais. E lindérrimos. A nós, meros mortais medianos, foi destinado uma gordurinha na anca, o nariz aquilino demais e bem que a gente fecha o olho para a barriguinha saliente do nosso parceiro. Não somos de Hollywood, ah tá, tudo bem a gente pode fazer figuração num comercial da Fruki. O máximo que o nosso corpitcho chega é se exibir na telinha local em uma propaganda de creme hidratante para a DiHellen. Isso, a Ana Paula Quinot conseguiu. Convenhamos, ela merecia bem mais. No mínimo, ser confirmada no elenco de um programete Global.
Mas bem, estou querendo falar do fascínio que o mundo dos famosos exerce em quem não está no topo do universo. Pessoas, eu, você e o João. Nós que compramos Caras para vislumbrar o prato e o castelo de férias dos famosos. E olha que esses são tupiniquins. Imagina se aproximar de um da terra do Tio Sam. Fantastíque.
Amanhã, meus senhores, o Brasil terá um representante de luxo. O documentário ‘Lixo extraordinário’ concorre na categoria de melhor filme estrangeiro. E quem vai estar lá será o gari carioca Tião Santos: a única vez que usou terno e gravata foi quando se elegeu presidente da Associação dos Catadores do Jardim Gramacho, o maior aterro sanitário da América Latina. Amanhã, a turma do Jardim Gramacho estará de olho na telinha e orgulhosos de Tião que fará boa cena vestindo grifes de duas marcas cariocas.
Eu acho bárbaro que o mundo olhe para o avesso do glamour. Temos que nos orgulhar mais de nós mesmos e menos das ficções. Podemos trocar o Senhor e Senhora Smith, pelo senhor Santos, sobrenome que brota aos borbotões por essa terra de chuteiras.
Há dois anos, trabalhei como gari por um dia. Foi uma experiência como eu diria, invisível. Eu percebi a invisibilidade social pela qual eles estão engolfados. Não existe "olá" para o catador na maior parte do dia. Eles estão tão acostumados com a indiferença, que se tornam indiferentes a eles mesmos. Sentem-se resignados em ser invísiveis. Existe uma absurda diferença entre os uniformes: o do médico suscita admiração e respeito. O do gari...a invisibilidade que se dá a um "poste".
O psicologo Fernando Braga da Costa trabalhou com os garis e comprovou que em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social. Se a gente passasse pela experiência, talvez conseguiria se livrar desse estigma burguês. E vislumbrasse o seu João do Lixão, como um trabalhador com direito a ganhar "bom dia".
Amanhã, o Oscar vai inevitavelmente para Tião Santos, que está louco para ver o Nicolas Cage de perto. Ele é o cara. Herói real.Aqueles que suplantam a ficção.
PS: O documentário nacional não levou a estatueta: Apesar da derrota, só a presença de Tião entre os astros de Hollywood já foi considerada uma vitória para a comunidade. "Tudo o que ele fez foi para mostrar a nosso pai até onde poderia chegar. Se ele estivesse vivo veria que o Tião é um vencedor", disse Carla Simone dos Santos, irmã do catador.