O meu grilo falante nunca foi carola: quando eu fazia alguma
coisa fora do eixo, não ficava em cima de mim, “isso é errado, isso é
errado”. Em parte porque nunca fiz nada de tão errado assim, só loucuras
que a sociedade julgava rebeldia. Já tomei banho no chafariz no Unicshopping e
não estava chapada, nem bêbada. Creio que sempre fui louca de cara. E isso
sempre foi bom porque nunca botei meu dinheiro fora com alucinógenos..
Hoje, me
acomodei em casa. Há anos não vou a baladas e as minhas transgressões são
sintoma da minha paixão pela escrita: eu furto adoidadamente canetas. Me
faço de salame e roubo na cara dura. Não pode ser qualquer caneta, dou
preferência às de laboratórios farmacêuticos. Então, a minha mira são as
farmácias. O pessoal onde frequento fica atento e as retira ao me ver
entrar. Vez ou outra esquecem no balcão e eu nhac, já era.

Estamos derrubando todas as barreiras, subornamos o nosso
grilo falante. Não tem mais nenhum para gritar igual aquele do Pinóquio: não
faça isso, você está errado. Somos os filhos da era do “liberou geral”.
Uma das fontes que mais aprecio entrevistar é o
psicólogo Sergio Pezzi. Sempre aprendo com ele, porque ele sempre tem muito a
dizer e isso me surpreende porque estamos vivendo num tempo em que mesmo os
entrevistados não dizem nada. Possuem um diálogo vazio. Não foram poucas as
vezes em que eu agradeci a entrevista e pensei: “tá, mas e aí, o que ele quis
dizer com isso? Ele não disse nada”. Me sentia um engodo por muitas
vezes, encher de nada uma reportagem. Por fim, acabei percebendo que
muitas vezes, nem o entrevistado sabe como dizer algo que ele sente.
Pezzi trabalha com adolescentes infratores. . Na sua última
palestra, disse umas coisas que me acenderam uma luzinha. Fiquei revolvendo
durante dias. Disse que nós somos formados por palavras. Quando a criança
nasce são os pais que dizem para essa criança o quanto é querida, jeitosa e
valorizada. É isso que vai transforma-la num ser humano. As palavras são
nossa segunda pele, e servem de proteção social. Muitas vezes nos preocupamos
com a nutrição, mas não com nossa pele simbólica que é um fator protetivo.
O que está acontecendo hoje é que vivemos no mundo das
imagens. Se adotou a ideia de que uma imagem vale mais do que mil palavras.
Compartilhamos fotos e Power point pelo Facebook. Temos preguiça de ler algo
com mais de 15 linhas. Atrofiamos tanto o vocabulário que não temos mais
palavras para definirmos como nos sentimos.
Pezzi alerta que ao nos faltar palavras, tendemos a agir por
impulso. Então começamos a pulverizar a terra com sintomas
modernos. O sintoma nunca aparece de uma forma isolada, tem a ver com o
mundo e com a época em que se esta vivendo.
Queremos uma boa dose de droga para viver uma experiência
sensorial e não afetiva. “Afinal, meu, eu to a fim de sentir e não de falar. Pô
cara, que irada essa vibe. Se liga na parada meu. Muito louco”
Queremos uma experiência com o objeto que está entre mim e a
pessoa da frente. E o que tem entre o João e a Maria é o copo. ‘O que conecta
as pessoas hoje é o conteúdo das garrafas e não a conversa”, frisa Pezzi.
Esse super eu contemporâneo, criado com a ideia de que é
obrigatório ser feliz sempre, está nos levando a falência. Vivemos
relacionamentos de bolso, nunca tatuamos tanto o corpo quanto agora, nos
reunimos nos postos das esquinas: trocamos a teve, o carro e o
celular. Se neguinho diz pra mim que LCD é mais cool que aquele “tubão” antiquado,
ele tá certo. Eu quero uma e vou comprar em 24 prestações porque meu
supereu quer mais imagens de sucesso e a novela me diz que se eu usar o brinco
da Leona eu serei muito mais bonita.
Raul Seixas já esmerilhava na ironia quando cantou há 45
anos, na época em que as propagandas de cigarro eram liberadas.” Eu procurei
fumar cigarro Hollywood que a televisão me diz Que é o cigarro do sucesso.Eu
sou sucesso (eu sou sucesso!) “. Quando eu leio Clarice Lispector, fico pasma
de o quanto ela utilizava palavras. Transmitia em suas crônicas todo o seu
tormento interno, as suas viagens não eram com LSD, mas através de uma
verborragia íntima. Ela dizia: Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz
de pensar o meu sentimento. Eu concordo com ela. E vou continuar escrevendo
palavras com minhas canetas furtadas. Eu penso com cadernos ao lado da minha
cama, nunca por computador. Se for para o mundo reaprender a verbalizar,
deem-nos canetas. Chega de brioches.
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