Eu não sei o que pensar do Natal. Acho-o cruel porque as crianças pobres ficam com a maior vontade de ter um presente que não seja doado ou algo que seja novo mas que custe mais do que R$ 15 reais.Sim, porque quando a gente se dispõe a ser generoso, duvido muito que alguém se habilita a dar presente maior a 15, 20 ou R$ 50. É muito, a gente acha que pobre nem merece tanto. E quando porventura contribuímos com esse alto mimo, nos sentimos super bons, bacanas e evoluídos. Ou seja, os R$ 50 que gastamos com o queridinho nos fez melhor a nós do que propriamente a ele. Que Natal é esse então que a gente gasta, engorda e enrola os outros com a falácia da solidariedade?
O Natal é cruel porque traz em si a aura da família estruturada, que acalenta, que se adona da noite em uma mesa espetacularmente decorada com comida em abundância, pai, mãe e parentes sorrindo festejando a confraternização. Que bestialidade para quem tem pai alcoólatra, mãe com câncer e irmão deficiente. E nós, como já compramos a merreca do presentinho para o afilhado pobrezinho, nos isentamos da culpa da terrível noite alheia. Porque agora não é mais conosco. Já fizemos nossa parte adotando uma criança dos Correios e dando o que ela pediu na cartinha que no fundo, não roga apenas por um brinquedo singelo. Ela quer atenção, quer futuro. Ela quer acabar com os Natais, porque as datas evidenciam a desestrutura familiar dela e a colocam em cheque com outras famílias, nas quais se propagandeia o acalento. Mal sabe a criança, tadinha, que todas as famílias são tristes. Que o Natal é apenas uma propaganda de refrigerante. Que essa balela de celebração é tão inexistente quanto o velhinho.
Por favor, não estou sendo mordaz e nem árida. Eu simplesmente não dou bola para o Natal. Uma vez, eu ficava triste. Agora perdi a capacidade de me entristecer. Sou indiferente à época. Só me serve para sinalizar que o décimo-terceiro vem aí. E então fico satisfeita por ter um salário extra na conta que some em três dias porque tenho de comprar presente em nome do Natal.
Eu não me espiritualizo em dezembro. Não faço balanço mental do que fiz de bom ou de ruim como fazem os secretários de Lajeado avaliando o ano de suas pastas. Minha vida não é uma pasta e eu também não me iludo com a idéia de que vou mudar.
Eu choro. Mas choro por coisas simples, que me constrangem porque são lágrimas tão inusitadas que não dá para justificar uma certa sensibilidade. Eu choro por dentro quando vejo uma criança pobre recebendo um presente da sociedade. Choro de tristeza mesmo. Eu sei que aquele presente não vai resgatá-la de sua vida desgraçada. Eu sei que a boneca, o carrinho, a bola ou o material escolar sem marca não vai redimi-la de uma família desestruturada.
Ela vai receber o presente do Noel. Vai sorrir para ele, a gente vai se aliviar na hora por pensar: está tudo bem, ela ganhou seu presente. Terá um bom Natal. Mentira. Prá começar, o presente foi dado a ela antes do Natal, não na noite natalina, na hora exata em que as famílias se unem para a celebração. A gente antecipa a celebração porque na data mesmo, estaremos com nossos parentes, lépidos e faceiros ou pseudofaceiros achando que fizemos nossa parte. Mintchura.
A boneca presenteada vai dar satisfação durante dois dias. Depois disso, o pai vai continuar alcoolizado, a mãe sem grana e a despensa vazia. Mas nós fomos as boas pessoinhas natalinas. O Natal só presta pra aliviar nossa consciência suja.
Olha, eu acho que mesmo que seja uma boneca miserenta, a gente tem que dar. Mas mudança mesmo, mitigação da dor e da ruína humana, só com menos presente e mais esforço. Ou nós, presentes de corpo e alma na vida dessa gente. Mas isso a gente não faz. O presente físico é um presente caro demais. Deixemos para os poucos iluminados. Compremos o perdão e a autoindulgência à prestação. No crediário, o mundo prega a bondade. E dá ajuda em conta-gotas.
João Vitor tem 4 anos e ganhou um rancho do Papai Noel dos Correios. Toda familia vai se fartar. Ele retirou ansiosamente a bolacha do pacote e deu uma mordidona, se rindo todo... |
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