quarta-feira, 16 de junho de 2010

O fosso

O desejo nasce e com ele, a vontade que feneceu. Somos assim, queremos sempre mais. Porque um desejo depois de satisfeito não é mais desejo, vira descarte. Por isso Buda disse que aqui é maia, o mundo das ilusões. Schopenhauer também pensava parecido. Dizia que o mundo é uma ilusão e não devemos nos preocupar com ele, e sim repudiá-lo. Ando pensando muito nisso porque meus desejos estão latentes. Eu faço força para contrariá-los mas eles vêm em uma explosão de sentimentos dificil de acorrentá-los. Fico apavorada com minha falta de domínio. Descobri que o amor é um poço sem fundo. Você fala, fala com a pessoa. Fica horas confabulando ladainhas, coisas desinteressantes, pelo simples fato de estar aí com ela. E cinco minutos depois, você já sente falta dela e quer tudo de novo. Parece um fosso, tudo se esvai em questão de minutos e você fica precisando eternamente desse zelo. É um buraco negro que se agiganta no peito quando você fica mais do que, cinco horas sem ter contato com ela. Tudo culpa do circuito cerebral. Se eu fosse budista, poderia tentar domar isso, mas como não sou, fico procurando referencias de Schopenhauer para conseguir dar ordem nessa balbúrdia interna. Queria que a paz deitasse sobre mim e viesse com um amor terno, diligente e sereno.

*** A visão de mundo de Schopenauer é profundamente pessimista. Para ele, somos escravos de nossos desejos. Mal satisfazemos um e outro surge, de modo que vivemos permanentemente insatisfeitos. Além disso, o mundo está repleto de injustiça e violência. A existência é, assim, uma fonte de sofrimentos."Cada vida individual é uma tragédia insignificante que termina numa morte inevitável"
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O desejo e a posse

Um homem não se sente totalmente privado dos bens aos quais nunca sonhou aspirar, mas fica muito satisfeito mesmo sem eles, enquanto outro que possua cem vezes mais do que o primeiro sente-se infeliz quando lhe falta uma única coisa que tenha desejado. A esse respeito, cada um tem também um horizonte próprio daquilo que lhe é possível atingir, e as suas pretensões têm uma extensão semelhante a esse horizonte. Quando determinado objecto, situado dentro desses limites, se lhe apresenta de modo que o faça acreditar na possibilidade de alcançá-lo, o homem sente-se feliz; em contrapartida, sentir-se-à infleliz quando eventuais dificuldades lhe tirarem tal possibilidade. Tudo o que estiver situado externamente a esse campo visual não agirá de forma alguma sobre ele. Por esse motivo, as grandes propriedades dos ricos não perturbam o pobre, e, por outro lado, para o rico cujos propósitos tenham fracassado, serve de consolo as muitas coisas que já possui. (A riqueza assemelha-se à água do mar; quanto mais dela se bebe, mais sede se tem. O mesmo vale para a glória).

(Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Ser Feliz')
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Na tenebrosa visão de Schopenhauer, o desejo é como que a semente de todo o sofrimento (e nesse ponto, como em muitos outros, ele se aproxima muito do budismo). Nâo há nenhum sofrimento que não seja frustração de um desejo ou demora na satisfação de um desejo. Somos infelizes pois a vida não é como desejamos que seja. Simples assim. Se conseguíssemos desejar que a vida fosse exatamente como é, se conseguíssemos deixar de querer que ela seja algo de diferente, algo de aperfeiçoado, algo de melhor, não estaríamos enfim reconciliados com ela?
Mas, dirão alguns, pretendendo refutar o sombrio alemão, que nem todo desejo é impossível de satisfazer, e que é inegável a existência do prazer quando conquistamos o objeto dos nossos desejos. Sem dúvida que é assim. Schopenhauer não nega. Negar a existência do prazer seria ridículo de um filósofo dessa categoria. O problema, claro, é que o prazer não dura. Todo desejo satisfeito nos causa um pequeno momento de prazer, o rápido fulgor subjetivo da alegria, um pequeno brilho na escuridão do sofrimento, mas logo ele, o prazer, destrói o desejo que o precedeu, e então o que sobra?... O tédio, o aborrecimento, o enfado. O prazer é o carrasco do desejo. E morto um desejo, assassinado pelo prazer, corre a nos dominar um novo desejo, e assim segue a vida, nessa “constante marcha adiante do desejo”, como diz Hobbes. O prazer é como um aliviante balde d’água que se despeja sobre o fogo do desejo. E, apagado o fogo, infelizmente, não é o repouso que se encontra: das cinzas renasce, como Fênix, um novo desejo. E saímos então, mundo afora, à caça de numerosos baldes d’água para apagar fogos que se sucedem numa fila sem fim, bombeiros no incêndio do desejo...

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