Taís Cauduro (23) nunca se resignou com sua condição. Também jamais lutou contra, como se fosse alguém rebelde em uma batalha infrutífera. Ela - e esse sim é seu mérito - extrapolou as fronteiras de suas limitações. Taís não enxerga, mas quem sabe veja mais do que muita gente. Tem a personalidade bem resolvida, pois vislumbra uma vida cheia de possibilidades. Seu tato é o grande trunfo. Ela se formou ano passado em massoterapia e corre atrás para angariar clientela. A sensibilidade não está apenas na ponta dos dedos. Ela também é manifesta em seu coração. A história de Taís começa no ventre de sua mãe.Nasceu com seis meses. Pouco mais do que um embrião, algo tão frágil e ao mesmo tempo querendo viver. Lutando por um pouco mais de fôlego. Permaneceu 72 dias na incubadora. Naquele tempo, sem a tecnologia existente de hoje, era normal o oxigênio do aparelho queimar a retina. E ela, pequena demais para guardar na memória as feições da mãe viu a luz se apagar. Ali mesmo, no hospital. A incubadora foi sua salvação e carcereira. O azul do céu em tempo nenhum fulminará o olho de Taís. A cor da nação tricolor a qual ela faz parte não existe nem em imaginação. É um foco obscuro. Mas nada de lágrimas. A existência dela é pontuada pela intrepidez.Cresceu uma pessoa de fibra, que rejeita o rótulo do "coitadismo" e da superproteção. "Eu até esqueço que ela não enxerga", enfatiza a mãe Leda. Taís é uma filha que nunca deu trabalho. Poderia se revoltar com o preconceito, muitas vezes evidente. Decidiu relevar. Tem, dentro do seu conceito de vida, um dom importante, o altruísmo, que ajuda e encoraja deficientes visuais. O seu exemplo é de motivação. Ela já passou por peripécias. Sozinha. Ao decidir fazer o curso de massoterapia, perambulou dez meses por Porto Alegre. Morou na capital durante quatro meses, na casa de amigos. Aprendeu a se deslocar na cidade grande, sentindo as paredes que nunca vira antes. Concluiu o treinamento no final de 2009 e montou uma sala de massagem na garagem de casa, em Lajeado. A freguesia existe, mas pode melhorar. Falta marketing. Ela tem cartões de visitas que fornece aos conhecidos e divulga boca-a-boca, o segredo de suas mãos. "Eu tenho o tato aguçado. O professor elogiou e disse que eu tenho o dom."A coragem de Taís não fica só por Porto Alegre, atravessa as fronteiras do estado. No Carnaval, foi se divertir bem longe de casa. Tomou o ônibus para uma aventura interestadual. Só parou em Ribeirão Preto. Foi encontrar uma amiga que conheceu pela internet. A moça fez tudo isso sozinha, com um certo temor, mas sem se intimidar perante o desconhecido - porque o que a gente não enxerga é sempre tão mais sombrio, que amedronta. Taís rejeita a posição fetal. Brinda a vida com a potência de sentimentos e não verga, porque se recusa a perder para as dificuldades.A viagem a Ribeirão Preto foi crucial para reforçar sua independência. Ela pensa em repetir a dose. A família aprova e orgulha-se da autossuficiência da filha. Até lá, vai falando com seus amigos pela internet. Gosta de leitura e informática e aliou os dois prazeres fazendo do computador sua janela para o mundo. A sua máquina tem leitores de tela e ela pode ouvir a voz mecânica que narra histórias das obras. É sua maneira de ler. O mundo de Taís é sensorial e cheio de desafios. Ela não os nega, pelo contrário, os quer. À medida em que estipula novas metas, luta para transpor os obstáculos e toma ciência de sua força, que está na sua forma de ver o mundo. "A vida não é uma festa, porque não dá para viver viajando, mas é cheia de oportunidades. É só a gente saber aproveitar da melhor forma."
(Histórias de vida que dão orgulho de escrever. Gostei de ter sido a intermediária entre Taís e o leitor. A reportagem saiu no Informativo de hoje)
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