segunda-feira, 26 de março de 2012

A educação das calçadas opostas



A educação da calçada ou a Calçada da Educação. A prefeitura inaugura um prédio histórico que revela provocações inusitadas. Todas positivas


Lajeado - Uma rua histórica marca a memória de gente que virou autoridade e revela o contrafluxo pitoresco existente na cidade. É a democracia da diversidade que convive lado a lado, cada qual seguindo seu curso. Um na calçada da instrução, outro na da sedução.
Ontem , com a inauguração do Prédio Histórico da Secretaria da Educação, o aspecto comportamental de Lajeado ficou evidente na Rua da Borges de Medeiros, uma via que armazena nas fendas dos paralelepípedos tantas vivências quanto calçados, sapatos ou desejos.
Um é o desejo da educação – que num prédio rebuscado com colunas em alto relevo e capitéis – garante a preservação da cultura e o aprendizado dos sete mil alunos que já estão aí e outros milhares que virão. O número 370 fica sendo agora o endereço do cabedal da instrução. Antigo e revigorado por fora, mantendo o patrimônio. Novo e revigorado por dentro, mantendo a funcionalidade. No gabinete da secretária Rejane Ewald, reproduções de obras de Monet e Rembrandt, réplicas que mencionam crianças e um certo ar “cult” de uma secretária que na infância, brincava no mesmo local, prédio e ambiente. “Quando eu olho para as paredes eu vejo as cortinas daquele tempo.” Em 1958, Rejane jamais sonharia que 54 anos depois, entraria ali como “comandante” da fragata da Educação.
No outro lado da rua, em frente, o prédio 342 é tão histórico quanto o da Educação. O que diferente é o comportamento, embora ambos façam parte da cultura da cidade. O prédio da Rodoviária Velha tem frontões decorativos e nas janelinhas dos sótãos, a imaginação leva o pedestre a pensar longe: o que se faz ali em cima?
A rodoviária já não existe mais, mas o nome permanece porque colou na mente dos que vem de fora. “Aqui é o lugar do colono”, informa o barbeiro Hilário Kremer que há 21 anos aprendeu a aparar barba, cabelo e bigode da clientela do interior.
“Quando eu tinha oito anos, vinha comer picolé na rodoviária”, expressa seu “Krema”, que inoculou o sotaque alemão. Hoje é espectador da vida que transcorre na calçada da Borges. Da sua barbearia, observa o movimento do prédio da Educação: equipe de apoio trabalhando infatigavelmente para os alunos do município.

Cada um no seu quadrado

Encostado ao seu ofício, o fluxo do ir e vir da Rodoviária Velha, um lugar de ônibus que virou bar. Mulheres – que talvez pela baixa instrução – ingressaram no comércio da vida, funcionam como chamariz para aposentados. “Muitos homens vem aqui por causa do banheiro, ficou perigoso utilizar os da Praça da Matriz.” Mas é a ala feminina quem dá a atratividade maior. Tudo funciona com um certo “acatamento”. ‘Aqui existe mais respeito do que em muitos bares.”.
Kremer defende o comércio confinado do corpo. “A prostituição fica dentro. Ninguém vê. Muito melhor do que se elas estivessem paradas nas esquinas.” Seu “Krema” é amigo de toda a gente da rua. Das prostitutas, comerciantes e educadores. E muitas vezes, vê passar pela sua porta outra personagem histórico da rua, o diácono Vitório Bohn, que mora numa casa octogenária. “Essa rua merece um carinho especial”, considera ele aprovando a ida da Secretaria da Educação para contrabalançar as calçadas.
No meio da rua - enquanto alunos tocam na flauta e no trompete o Hino Nacional da inauguração do prédio – Bohn sorri diante do contraste. Um prédio faz frente ao outro, mas como diz seu “Krema”, cada um está no seu quadrado.

Todas as histórias convergem



O prédio que abriga a trupe da Educação já foi banco e biblioteca pública. Está no inventário do Patrimônio Cultural da cidade, assim como o da frente, que já foi considerado uma escola isolada do município. Havia uma educadora muito “querida” na cidade, que dava aulas ali. Quando virou rodoviária, o perfil de clientela mudou. Os alunos migraram, os homens permaneceram. A Rodoviária Velha é ponto de referência na rua, pelas histórias reveladas e secretas.
A prefeita Carmen Regina teve um dos momentos de maior emoção ontem, quando quebrou o protocolo e chorou na inauguração. Carmen educou seus filhos na Borges de Medeiros. Definiu a reforma da estrutura como “um sonho ousado” e antes do discurso, fez um gesto simbólico: brincou de orquestrar os meninos da banda da Escola Francisco Oscar Karnal.
A Rua Borges de Medeiros não é uma encruzilhada. Talvez seja uma convergência de vidas e estilos. Numa quadra - a mais popular - há oito prédios históricos, uma escola, casa de música, barberaria, uma rodoviária que nem rodoviária é mais e a Secretaria da Educação. Um diácono bem humorado – Vitório Bohn - todos os dias passa por ali para ir a Igreja. Ele também é musico. Um barbeiro simpático – Hilário Kremer – fica por ali para abrir seu negócio. Não importa a calçada pelas quais as pessoas transitam, a reprodução do Modigliani no gabinete da secretária Rejane dá o tom da educação. Sincera, afável, culta. A fachada da Rodoviária Velha, com letreiro vermelho, garante o inóspito. É o recanto dos aposentados. Sincero, simples, popular. A educação converge por todas as histórias de vida.

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