Os heróis e os vilões da televisão figuram no mundo infantil como o melhor entretenimento depois da bola de futebol. E não há menino ou menina que não corra para casa após a aula, para ficar em frente à telinha. Televisão, unanimidade da garotada. Uma janela para o mundo que o “moleque” Luan Pereira Fiegenbaum não vê. Aos 10 anos, ele não tem ideia da trama que envolve desenhos como Dragon Boll Z e Bob Esponja e nem o divertido Pica-Pau. Televisão, para ele, só no lar do vizinho. Por isso, enveredou para a literatura. Que sorte.
Luan frequenta a 4ª série da Escola Estadual Santo Antônio (antigo Ciep) e é dali que tira gás para ser aprendiz de escritor. Dedicado nas aulas, se esforça para incorporar as lições de Português porque um dia e se “Deus quiser”, como diria a avó Irizondina Pereira Teixeira, vai ter o privilégio de ser mestre. “Eu quero ser professor de qualquer coisa”, conta o menino, sem se dar conta de que seu comportamento por si só já é uma lição. Mas o seu futuro pode ser mais promissor.
O “pequeno homem das letras” começou a escrever um livro. A data do início está lá, no prefácio do caderno grande, esperando as folhas serem preenchidas: 27 de outubro. Em duas semanas de labor, Luan redigiu com sofreguidão - a lápis, que é para apagar com facilidade se as ideias não estiverem bem elaboradas. Já está no sexto capítulo. São narrativas que brotam de sua cabeça. “São histórias diferentes, tem até viagem no tempo”, expõe orgulhoso. O caderno tem ainda muitas páginas para serem rabiscadas e, pelo jeito, ele vai dar conta do recado rapidinho. “O livro é algo para passar o tempo”, salienta o garoto. A avó, uma evangélica fervorosa, contrapõe. “Não é só por isso não, é que ele gosta de ler e escrever.” Sim, de fato Luan gosta do riscado. Ele se baseia nos contos de Monteiro Lobato para criar suas próprias ficções. Lê livros de História e Geografia para se inteirar de nomes de países e mares e incrementar as aventuras, que têm caçadas, episódios perigosos e se passam em locais diferentes.
Sala de aula
O caderno-livro de Luan provocou reação em sala de aula. E está levando colegas a assimilarem o gosto pela literatura. Alguns se prontificaram em ser os ilustradores da obra, que será encadernada para integrar o acervo da biblioteca. Assim, os estudantes do colégio podem ler. A professora Márcia Weiler faz a revisão ortográfica de cada capítulo. “Ele não tem muitos erros e possui um vocabulário rico para sua idade.” Cada etapa finalizada é lida em sala de aula. Os colegas brincam, predizendo o futuro do principiante: “Luan, eu vou querer um autógrafo”.
Nada de TV
Dona Irizondina cria o neto nos rígidos preceitos cristãos. A televisão é algo abominado dentro de casa. “A TV ensina muitas coisas que não são boas. Se até gente grande tem que saber se controlar em frente a ela, imagina uma criança”, conta a senhora de 64 anos e de compleição franzina, mas com um semblante vigoroso, que alguém interpretaria como “brava”. Luan a entrega: “às vezes ela é braba sim”. Mas a postura radical da avó está servindo para moldar um pré-escritor, que chama a atenção dos professores pela desenvoltura na obra manuscrita. A avó participa de cultos evangélicos há 30 anos e tentou criar os três filhos na doutrina, mas, desgarrados, tomaram outro rumo no mundo. Com o neto, quer que seja diferente. Para ela, o mundo real não é aquele que passa na tela. É aquele que ela cria dentro da casa de madeira simplória, de três ambientes e com duas ou três ripas do chão arrebentadas. Ali, tem uma poltrona judiada. É onde Luan senta para viajar na sua epopéia literária.
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