Em março, fiz uma matéria que sei que não agradou a ela. Mas foi um dos textos mais legais que produzi porque a ocasião se revelou uma provocação inusitada. E salutar. O prédio da Educação foi inaugurado na Borges de Medeiros, uma rua conhecida por ser ponto de prostitutas “familiares”. São de “família” porque o comércio do corpo é confinado e não escancarado. Acho que é uma espécie de norma. Regras, por que não? Mesmo elas as possuem.
Agora imagine professoras reunidas pensando a educação de sete mil alunos e no outro ponto, senhorinhas lutando pela sobrevivência com a “arma” mais antiga do mundo. Não fiz a reportagem por deboche, pelo contrário: amei a diversidade da rua e todo significado social que dela decorreu a partir de então.
De um lado, um prédio rebuscado com colunas em alto relevo, capitéis e livros didáticos. Do outro lado, um que abrigava a antiga rodoviária, tão histórico quanto o da Educação, com frontões decorativos e janelinhas no sótão. Olhei para ambas as estruturas e percebi que a história convergia. A educação e a sedução na mesma calçada.
E havia uma mestra no meio do caminho. Uma grande mestra, adepta da escola prazerosa. A vida que transcorre na calçada da Borges possui dois tipos de instrução. Bem ou mal, há professoras nos dois lados. Mas sim, havia uma mestra que ficou pelo caminho.
Não é mais para procurá-la ali. “Não me procure para a colheita, estarei semeando”. A frase em sua rede social revela que a professora Rejane Ewald gosta do cultivo. E isso me faz lhe respeitar.
Quando ingressei pela primeira e única vez no gabinete da então secretária de Educação Rejane Ewald, ali, naquele prédio antigo que se inaugurava enquanto os homens bebiam no bar da frente, me impressionei com algo singelo. Elogiei o recinto, as poltronas e todas as coisas novas. Todavia, foram os quadros que me impactaram. A secretária pendurara nas paredes reproduções de obras de Monet, Modigliani e Rembrandt. De alguma forma, as imagens na parede conversaram comigo. Como se a secretária inconscientemente quisesse inculcar nos alunos públicos a nobreza de se ter cultura. A cultura não é particular. O Modigliani (acho que era um) pendurado lá me segredou: “Eu não sou apenas de quem pode frequentar o Museu do Louvre”. A cultura estava ali mesmo, entre os prédios, ajudando a construir a educação da calçada.
Sei que a mestra não assimilou satisfatoriamente a matéria que saiu no dia seguinte. Eu não precisava ter falado da prostituição da rua no dia da inauguração do prédio da Educação. Contudo, orgulhei-me de minha percepção. Uma rua que armazena vidas e projetos, sonhos e desejos não tem do que se envergonhar. É lugar de gente. Um prédio faz frente ao outro, mas cada um está no seu quadrado. Só a mestra que agora está fora da via.
Não importa a calçada pelas quais as pessoas transitam, a reprodução da obra de arte no gabinete da secretária Rejane deu o tom da educação, uma vereda que convergiu para leitores e pais presentes. Ainda bem que tinha essa mestra no meio do caminho. Tomara que o Modigliani continue lá.
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