O Vale encara a maldição da pedra
Os médicos do Hospital Bruno Born se impressionaram com a necrose causada pelo crack no corpo de J. Uma usuária que morreu no sábado, depois de dois meses internada e recebendo tratamento. A perna foi corroída e expôs a artéria. A outra seria amputada. A usuária foi dada como desaparecida em sua cidade de origem na região metropolitana. Foi tratada aqui, mas morreu de infecção generalizada. O HBB gastou mais de R$ 20 mil com a paciente. O SUS deve cobrir R$2,5 mil.
Perna de mulher de 28 anos “apodreceu” pelo uso do crack. Após dois meses internada, ela morre com membros necrosados
Lajeado – Usuária de crack há sete anos, J. (paciente não será identificada) morreu sábado no Hospital Bruno Born, depois de permanecer dois meses internada. O caso da dependente impressionou os médicos da instituição que se revezavam para cuidá-la. O uso contínuo do crack levou à necrose em uma perna. O membro apodreceu por causa da vasculite – que é a inflamação dos vasos sanguíneos. “O vaso foi se fechando, deixa de haver fluxo sanguíneo e leva à necrose”, explica o diretor-médico do hospital, Sérgio Marques. A outra perna também seria amputada. A vasculite é muito mais do que um nome estranho. Ela corrói a pele e a lesão deixa exposta a artéria. É uma visão dramática para quem não está acostumado à cena. Depois de ficar preta, a perna que apodreceu foi amputada para conter o avanço da infecção.
Mas a vasculite iniciou-se na outra perna. Como uma gangrena, foi avançando, enegrecendo a pele e acentuando o cheiro forte e as nódoas. Quando a vasculite se espalha pelos dedos, como no caso da pacientes muda de cor variando do roxo ao preto. A dor é excruciante. Os médicos administravam à paciente doses de morfina e anestésicos. Ganhou sessões de fisioterapia. Mas doença evoluiu.
A surpresa dos médicos
J. morreu em decorrência de um quadro de infecção generalizada. “O organismo estava com a imunidade baixa”, explica Sergio.
Além da imunidade baixa e o quadro de infecção, a falta de higiene da paciente pode ter acelerado o processo. O residente Rodrigo Zanatta que acompanhou o caso com os colegas Victor Giostri e Lucas Zuchetto ponderou que a falta de assepsia agravou a situação. “Ela retirava os curativos, e corria perigo de ela própria infeccionar-se. Armazenava restos de alimentos junto às roupas.”
Esta é a primeira vez que os médicos locais se deparam com uma nova configuração da doença em decorrência do crack. O uso contínuo da droga gera a necrose tóxica. Eles investigaram na literatura médica casos similares a este e encontraram escassas referências.
“Não é que seja algo novo, mas há poucas notificações relacionados à essa complicação”, enfatiza Sergio.
O longo uso do crack pode ter deteriorado a paciente de forma tão “assustadora”. A dependência ao longo de sete anos tornou o organismo debilitado. Normalmente, os usuários morrem antes por complicações pulmonares ou vítimas da criminalidade.“Apesar da prostituição e do meio em que estava, era uma usuária protegida no grupo dela”,assevera Lucas.
Fotos pelo iPhone
As fotos dos membros da paciente foram tiradas pelo celular do residente Victor. Eles querem mostrar os riscos do uso. “Esses efeitos não estão descritos na literatura de forma abundante, mas cada vez serão mais freqüentes”, enfatiza Lucas.
A cocaína pode causar o mesmo problema. O efeito da coca e do crack são similares. Pelo uso, os vasos sanguíneos vão se abrindo e fechando até que cessa o fluxo e causa a necrose. J.era companheira de malabarista de sinaleira. Havia sido dada como desaparecida na zona metropolitana e deixou dois filhos.
O custo de uma morte anunciada
Durante os dois meses em que permaneceu internada no HBB, os médicos forneceram medicamentos, fizeram cirurgia e sessões de fisioterapia. O custo com a paciente atingiu R$ 20.473. O Sistema Único de Saúde deverá R$2,5 mil: 10% do que o hospital gastou. O prejuízo da instituição é de 651%.
A apreensão dos médicos se refere ao crescimento das drogas, falta de estrutura das cidades e o alto custo do tratamento. “Todo mundo perdeu: a família porque os filhos estão sem mãe,a sociedade e também a instituição porque sua internação gerou despesas elevadas”, pondera Lucas.
Apesar de todo envolvimento médico, o caso não teve desfecho favorável porque a droga consome as pessoas. A estrutura de saúde não é suficiente nem em Lajeado nem em outros municípios para tratar usuários. A situação exige urgência porque hoje, os serviços são incapazes de dar conta da demanda. O Vale está despreparado para atender o aumento avassalador do crack.
“O hospital tem cinco leitos para dependentes químicos, seriam necessários mais cinco e uma ala exclusiva de atendimento à esses pacientes”, expõe o diretor- médico,Sérgio Marques. Para Rodrigo Zanatta, a educação e a prevenção tem que ser fortes. “É preciso ir à raiz do problema”.
Os médicos querem apresentar o caso da paciente em congressos clínicos. Quanto mais o debate se ampliar, melhores serão as chances de tratamento e prevenção. “Não é sensacionalismo, o problema é real”, garante Sérgio.
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