“Eu sou louca?” Perguntei para minha colega Susi nesta
quinta-feira de manhã. Ela pensou e disse: “Tu é sincera. Ninguém tem coragem
de dizer as coisas que tu diz.” Eu estou sempre perguntando se sou louca para
alguém. Só não posso perguntar para o meu texto porque ele não fala. Ele
telefona. É assim mesmo, quando coloco alguma coisa com um olhar diferenciado
na matéria, meia dúzia gosta, seis não gostam. Geralmente são os seis que estão
relacionados a matéria. Fugir do olhar domesticado é ver um fato de
ângulo diferente, fazer uma pergunta que o entrevistado não está acostumado a
ser inquirido. Não sei se isso fere, mas espanta.
Existe no Vale do Taquari a Síndrome das Meias-Palavras. Oxalá
fossemos iluminados a ponto de não ter nada a dizer e assim não faríamos o
mundo perder tempo. Mas temos sim algo a dizer. Só que só dissemos metade.
Porque a outra metade não pode ser dita por isso ou por aquilo ou por aquele
outro. Porque, “eu não quero me comprometer.”
O jornalista fica espremido diariamente entre o leitor que
tem algo a falar e a fonte oficial que só pode falar aquilo que ela quer. Com
um salário base de R$ 1,333, nós – jornalistas que estudamos quatro anos na
faculdade para aprender que somos porta-voz e fiscalizadores da sociedade -
estamos comprimidos de todas as formas. No bolso e com as fontes (os
entrevistados). Porque é sempre assim: João liga para o jornal para reclamar do
alarido que os jovens fazem perto da casa dele. Mas João não quer seu nome no
jornal. “Não quero me comprometer”.
Maria aciona o jornal para reclamar do buraco da rua, da
praça que está sem verde, dos ratos que invadem o coreto. Maria quer porque
quer uma solução rápida. Mas ela não quer se comprometer, porque afinal ela é
amiga dos secretários, do fiscal, do sargento.
Nós tentamos resolver porque somos porta vozes da sociedade.
O secretário, vereador, major ou coordenador se irritam com nossas perguntas. E
quando responde, é sempre pela metade: “não coloca isso porque não pega bem.”
Esta semana, por duas vezes, autoridades de órgãos oficiais
me repreenderam sutilmente diante de matérias que fiz porque eu as elaborei por
um ângulo diferente. “Isso você não deveria ter perguntando ao
entrevistado porque é bom deixar quieto.”
Há poucos dias, na inauguração de um prédio, estava
entrevistando um morador quando o assessor de imprensa se interpôs entre o
morador e eu. Me senti coagida, numa visível tentativa de me vigiar para me
desestimular das perguntas.
Pô, se só temos de colocar o que as fontes dizem, se
temos de colocar o bonito, o belo e o que está diante dos olhos, o
jornalista do Vale do Taquari não precisa ser testemunha ocular da história.
Não precisa ter senso crítico. Aliás, ter senso crítico é ser uma pedra no
sapato. Estou sabendo que sou persona non grata, mas não me importo. Meu
compromisso é comigo mesma, porque eu sou leitora. E como leitora de jornais,
revistas e televisão, sou critica quanto aos meus colegas daqui, do sudeste ou
do nordeste. Quero que eles não tenham preguiça nem medo de dizer as coisas. Eu
sou paga para ser chata. Jornalista que não é chato é legal para a fonte mas é
um pé no saco para o leitor.
Esta semana morreu Millôr Fernandes. Senti muito mais do que
a morte de Chico Anísio. Millôr tem um quê de Nelson Rodrigues. Ambos foram
muito produtivos em vida.
Que tristeza saber que nunca mais vamos ter repertório novo
de Millor, ainda bem que ele fez e disse um monte de coisas. Que triste saber
que há muito tempo não temos algo novo de Rodrigues.Mas suas frases são
impagáveis e mais atuais do que nunca. Esta é para todo e qualquer egresso que
ousar fazer vestibular de jornalismo e para ser utilizada em toda
sua vida de repórter:
“Nós, da imprensa, somos uns criminosos do
adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de
"ilustre", de "insigne", de "formidável",
qualquer borra-botas.”
Não fui eu quem disse. Foi Rodrigues. Eu sei que vai ter
gente se irritando com essa crônica. Mas e daí? “A grande vaia é mil vezes mais
forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores
corrompem." Nelson Rodrigues me salva da zona de conforto.
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