segunda-feira, 18 de abril de 2011

A morte nua e crua

Todo mundo deveria ganhar um choque de realidade prá poder perceber o imperceptível: que a vida de uma pessoa não vale mais do que um átimo. Que todos os esforços grandiosos para se chegar a fama, todos os atos vis, todo o escarceu em torno de uma existência boa e confortável, tudo isso e nada disso, resiste ao que? Ao choque de um caminhão. A gente sonha e labuta tanto pra ser menos do que ferro. Eu vi muitas mortes na minha profissão de jornalista. Eu vi 13 corpos juntos, em série, era uma visão forte. Densa. Mas nada foi tão impactante quanto a cena que presenciei hoje. Eram 8h30 min, eu chegava ao jornal, pensando no cafe da manha. Nesse instante, um aposentado, pai de família, cruza a rodovia estadual e colide de frente com o caminhão. Morte instantânea. Trimmmm, toca o telefone da redação: sou incumbida de fotografar. Seria mais uma morte qualquer, estamos tão banalizados com ela que fazemos a função automaticamente. Não foi assim. A curiosidade me impulsiona e me trai. Me envolve e me faz regurgitar o gosto cruel do fel da vida. Eu teimei em abrir a porta do veículo. O senhor curioso do meu lado, alertou: "a visão lá dentro é horrível". A frase me atiçou. Ao abrir a porta traseira vi os miolos num montinho, bem pertinho de mim. Alguns pedaços do tutano explodiram no vidro traseiro. Mas o impacto final foi ver o cadáver sem calota craniana. O homem estava escorado ao vidro, mas sem a tampa da cabeça. Dava pra ver os vasos e o esqueleto do cérebro ali, aberto, num show de horrores que me fez franzir o cenho e enjoar. Eu olhei para ele e olhei para mim: sou assim também. Somos todos assim. Por que então a gente luta por status, beleza e poder? Somos tão feios, mas tão feios, que nós mesmos temos nojo da gente. Nós olhamos a tragédia na televisão para sanar nosso desejo de tânatos. Mas nós somos a propria tragédia. Queremos comer banquete, mas tanto o caviar quanto o pão endurecido do dia anterior produzem o excremento humano. E isso tudo sai dentro de nós, sejamos operários ou reis. E no entanto, queremos sempre ser reis. Todo mundo sabe que o nosso destino é a morte. Mas quem a vê assim tão nua quanto eu vi hoje, consegue compreender o que está escrito no livro do Eclesiastes.O livro registra a busca de Salomão por significado e propósito na vida, mas o resultado final é deprimente: "tudo é vaidade e vento que passa". Salomão percebeu que a vida é vazia e sem significado. Ele disse que era como caçar o vento: nunca se consegue pegá-lo. Estaremos constantemente frustrados se procurarmos ganhar algo na vida que não está nela. E no fim, todos vamos para a vala comum. A coisa mais democrática da vida é a morte: há uma para todos.


O que o Rei Salomão descobriu




  1. Nenhuma realização. Nada realmente acontece na vida. Há uma infindável e cansativa sucessão de acontecimentos, mas não há resultado. O sol se levanta, põe-se, e levanta-se novamente. Muita atividade, nenhuma mudança. O vento sopra para o norte, sopra para o sul, e sopra para o norte novamente. Muito movimento, nenhuma realização. Os rios correm para o mar, e correm para o mar, e correm para o mar. Estão em constante movimento mas jamais se esvaziam e o mar jamais se enche


  2. Não se pode mudar nada. Nunca se consegue, realmente, fazer muita diferença. As coisas vão acontecer quando acontecerem e pouco haverá que se possa fazer para mudar isso. Há muitas coisas importantes sobre as quais não temos, absolutamente, nenhum domínio: o clima, as condições econômicas, a guerra, a doença, a morte. - Não se pode prever nada. Há tantas incertezas, tantas perguntas sem respostas na vida Podemos nos juntar a Jó ao perguntar por quê, e acompanhá-lo no passar de muitos dias agonizantes sem nenhuma resposta.


  3. - O mesmo destino para todos. A mesma coisa acontece aos homens bons e aos perversos. "Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo". A morte é muito democrática; há uma para todos.


  4. - O acaso governa. "Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória, nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes, o favor; porém tudo depende do tempo e do acaso" O sucesso não está sob o nosso comando. O melhor sujeito nem sempre ganha. Às vezes a vitória é apenas uma questão de sorte.


  5. - Nenhuma retenção. Aqui nada é durável. Poucos anos depois que morrermos ninguém se lembrará de nós nem se importará conosco. Nosso legado será passado para alguém que não trabalhou por ele e que, conseqüentemente, não o apreciará nem usará como nós o faríamos. (***Gary Fischer)

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