sábado, 26 de fevereiro de 2011

O avesso do glamour no Oscar


Amanhã tem Oscar. A Rede Globo topou a parada e vai televisionar a festa mais glamorousa do cinema. Celebridades, aquelas que figuram no Olimpo, deslumbrarão o mundo com vestidos suntuosos e jóias de pesados quilates. Tapete vermelho, flashes e o planeta embasbacado: Angelina Jolie e Brad Pitt são reais. E lindérrimos. A nós, meros mortais medianos, foi destinado uma gordurinha na anca, o nariz aquilino demais e bem que a gente fecha o olho para a barriguinha saliente do nosso parceiro. Não somos de Hollywood, ah tá, tudo bem a gente pode fazer figuração num comercial da Fruki. O máximo que o nosso corpitcho chega é se exibir na telinha local em uma propaganda de creme hidratante para a DiHellen. Isso, a Ana Paula Quinot conseguiu. Convenhamos, ela merecia bem mais. No mínimo, ser confirmada no elenco de um programete Global.
Mas bem, estou querendo falar do fascínio que o mundo dos famosos exerce em quem não está no topo do universo. Pessoas, eu, você e o João. Nós que compramos Caras para vislumbrar o prato e o castelo de férias dos famosos. E olha que esses são tupiniquins. Imagina se aproximar de um da terra do Tio Sam. Fantastíque.
Amanhã, meus senhores, o Brasil terá um representante de luxo. O documentário ‘Lixo extraordinário’ concorre na categoria de melhor filme estrangeiro. E quem vai estar lá será o gari carioca Tião Santos: a única vez que usou terno e gravata foi quando se elegeu presidente da Associação dos Catadores do Jardim Gramacho, o maior aterro sanitário da América Latina. Amanhã, a turma do Jardim Gramacho estará de olho na telinha e orgulhosos de Tião que fará boa cena vestindo grifes de duas marcas cariocas.
Eu acho bárbaro que o mundo olhe para o avesso do glamour. Temos que nos orgulhar mais de nós mesmos e menos das ficções. Podemos trocar o Senhor e Senhora Smith, pelo senhor Santos, sobrenome que brota aos borbotões por essa terra de chuteiras.
Há dois anos, trabalhei como gari por um dia. Foi uma experiência como eu diria, invisível. Eu percebi a invisibilidade social pela qual eles estão engolfados. Não existe "olá" para o catador na maior parte do dia. Eles estão tão acostumados com a indiferença, que se tornam indiferentes a eles mesmos. Sentem-se resignados em ser invísiveis. Existe uma absurda diferença entre os uniformes: o do médico suscita admiração e respeito. O do gari...a invisibilidade que se dá a um "poste".
O psicologo Fernando Braga da Costa trabalhou com os garis e comprovou que em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social. Se a gente passasse pela experiência, talvez conseguiria se livrar desse estigma burguês. E vislumbrasse o seu João do Lixão, como um trabalhador com direito a ganhar "bom dia".
Amanhã, o Oscar vai inevitavelmente para Tião Santos, que está louco para ver o Nicolas Cage de perto. Ele é o cara. Herói real.Aqueles que suplantam a ficção.

PS: O documentário nacional não levou a estatueta: Apesar da derrota, só a presença de Tião entre os astros de Hollywood já foi considerada uma vitória para a comunidade. "Tudo o que ele fez foi para mostrar a nosso pai até onde poderia chegar. Se ele estivesse vivo veria que o Tião é um vencedor", disse Carla Simone dos Santos, irmã do catador.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Coração insepulto


A lei da vida determina que os pais enterrem os filhos. O contrário é intragável, desumano, espúrio. Quando Nersi Thomas teve certeza de que seu filho morrera, o mundo despencou. Sepultou Alex Thomas ante o olhar perplexo da sociedade, mas soube que seu coração permaneceria insepulto.Alex foi assassinado há 25 anos por sete rapazes da classe média na praia de Xangrila. O crime gerou comoção nacional porque naquela época não era comum jovens matarem outros. Se hoje, para cada assassinato houvesse nomes de ruas, o Brasil não teria mais esquinas. Mas ele ganhou a sua, dois anos após sua morte. A Rua Alex Thomas é estreita e compacta como foi a existência do estudante. É uma alameda da dor. Ou da lembrança.

(Escrito às 5h da madrugada do dia 25 de fevereiro, 25 anos após a morte de Alex Thomas)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Meu mundo de R$ 13

Se Maysa cantava "meu mundo caiu" com toda emoção interplanetária que requer a performance de uma cantora de sucesso, eu sibilo entre dentes, "meu mundo se ergueu", no ritmo em que Tiririca cantaria Florentina. Descobri o poder do RS 13. Cabalístico, este é um algarismo que melhora minha autoestima. Eis meu propulsor motivacional. Me deixa um pouco melhor, mais rica, me faz sentir mais mulher de sucesso. Quase uma Giuliana Morrone falando de Hollywood. Explico: estou fazendo matérias fora de hora.
Há três semanas, descobri que minha hora extra valoriza R$ 3 reais. Assim, de R$ 10 passo a ganhar R$ 13 contos de réis para ficar um pouco mais à frente do computador, falando com as fontes. Uma verdadeira operária das palavras.
Meu mundo se abriu. Se há uma luz no fim do túnel, não é o trem que vem vindo. É o patrão chegando com a laterninha, sinalizando que se eu não serei rica, ao menos terei a possibilidade de ganhar R$ 250 a mais por 20 horas de suor excedentes. Revigorada, acordo todos os dias com uma missão: trabalhar até às 17h e fazer uma hora extra. Se conseguir duas, melhor: 13 mais 13 são R$ 26. (dim dim, barulhos de moedinhas caíndo).
Aprendi a calcular rapidamente nos dedinhos o valor do suor extraordinário. Com nove horas de labuta, pago o curso de inglês da minha filha. Criei uma obsessão pelo 13. Virou automático calcular tudo. Na vitrine, o preço da etiqueta me impele a fazer contas: esse tamanco vai me custar seis horas. A academia é mais barata, me custaria cinco horas. Mas o Iphone, esse vai demorar mais um pouco. Seriam 70 horas. E o tablet, que morro de vontade de ter, eu me esguelaria no serviço: 145 horas. Nunca vi maçã tão cara e tão desejável. Será que Deus fez o mundo na sua hora-extra?
Minha imaginação vai longe nessa ânsia platônica de consumismo virtual. Eu transmuto calças, blusas, colégio particular, medicamentos, tudinho em serviço. OMG, não tenho tanto tempo na vida para fazer hora extra (na redação, a gente chama de ponto-caderno). Por isso, fiz da coca-cola zero minha referência.Com R$ 13, compro seis latinhas. Uhuuuu, Jesus me ama. E me refresca a alma com pouca caloria. Para uma serva sedenta de cifras, o 13 é a última coca-cola do deserto. Erguei as mãos e dai glória a Deus...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Tempo vil

Sempre me neguei a trabalhar por dinheiro. Não estou surtando, explico: minha labuta tinha a ver puramente com paixão e ideologia. Stendhal, grande escritor, já dizia que é um privilégio ter como profissão a paixão. A ordem dos fatores não altera a fruição. É um privilégio ter como paixão a profissão. Acreditei piamente nisso durante anos. Nunca fui ambiciosa, mas não tinha sequer metas rasas a respeito de sistema financeiro pessoal. Nunca foi minha lenda.Agora, aos 40 vi que pequei. E pequei por vários motivos. Ganho pouco e com 20 anos de profissão, me considero um fracasso. Porque andei 20 anos e recebo R$ 100 reais a mais daqueles que estão começando hoje. Quer dizer, não é só questão de orçamento. O buraco é mais embaixo. O rombo é na autoestima e não tem reajuste que irá compensar. Mas como viver não é necessário e trabalhar sim, todos os dias o alarme do celular avisa-me que é hora de subir nos tamancos e ir. Mas eu não tenho mais a ideologia que tanto fazia reluzir de fascínio o jornalismo. Eu a perdi há pouco, bem pouco tempo. Minha ideologia estava diretamente vinculada à minha meta. Antes, tinha por objetivo aprender uma palavra nova por dia. Mas não uma palavra do dicionário e sim as quais eu lia em livros ou resgatava em revistas. Foi com essa meta que fiquei conhecendo a beleza de um "exegeta" ou de um "prosélito" e a limitação de um "parvo". Troquei esse objetivo por outro mais duro e cínico. Meu foco é ganhar R$ 26 reais a mais diariamente. Este é exatamente o valor de duas horas extras, que faço para incrementar a renda. Troquei a literatura pelo vil metal. Isso me mata, mas é por sobrevivência. Que ironia funesta.

***E assim é o mundo; às vezes, sinceramente, desejo que Noé e sua comitiva tivessem perdido o barco.

(Mark Twain)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

 
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"A infância não, a infância dura pouco. A juventude não, a juventude é passageira. A velhice sim. Quando um cara fica velho é pro resto da vida. E cada dia fica mais velho" - (Millor Fernandes)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Uma personagem clonada em mim!

Ah..arre eu vou admitir a duras penas: eu assisto a novela Tititi. E adoro. Confesso, confesso que quando a impagável Jaqueline disse: "muitos me adoram, mas ninguém me ama", me senti a própria personagem enjaulada na televisão, mas com uma vida real correndo à revelia aqui em Lajeado. O folhetim tem um aspecto filosófico latente que Schopenhauer acharia interessante analisar.
Jaqueline, surtada, sou eu em meu melhor momento. Yo também sou moldada com todos os meus exageros dos anos 80. Amo, amooooooooo anos 80, "charrete que perdeu o condutor", cantaria Raul Seixas, naqueles doces tempos em que as calças deandê contornavam a silhueta das mulheres de polainas.
Jaqueline, no espectro de Cláudia Raia, deslocando-se com seus maxiacessórios no corpo de 1,80 de altura, sou eu, compactada em um universo de 1,60, mas não menos complicada e visceral.
Agora que a novela está no fim, só agora, tive a ideia de separar um caderno para transcrever as tiradas mais originais que os personagens emitem. E não é só a Jaqueline que desfere golpes hilários em forma de frases. Tem Dorinha, a ex-modelo falida que vocifera a suas pupilas: "a paixão é fugaz e uma péssima administradora de recursos". Os pós-adolescentes Mabi e Lipe são o intelecto de primeira grandeza incorporados ao folhetim. "Os românticos são vencidos pelos predadores", expressa Lipe em uma das falas em que busca o amor da filha de Jaqueline. Algumas dos diálogos são verbetes. Outros, clichês surrados, que, tratados com humor, viram pérolas repolidas.E eles citam Schopenhauer com a maior propriedade! Como diria Jaqueline, se minha inveja fosse um doberman, as duas crianças prodígio estariam aos pedaços.
Como a carente Jaqueline, sou uma atriz de mim mesma, que não caibo em nenhum folhetim, mas que estou muito bem representada numa personagem fictícia.Sim, por baixo dessa crosta opaca se esconde um belo diamante. Que jamais será lapidado, porque me escondo em camadas de depressão crônica, uma sujeita que só ri quando Jaqueline lasca: "que mal eu fiz na outra encarnação, será que fui engraxate de Hitler?"

*** Pois é, e de tudo isso eu concluo igual ao Calvin: Marx dizia que a religião era o ópio das massas... ele ainda não conhecia a televisão.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Seres molhados


Na praia, a malemolência impera. Somos seres molhados, salgados, feito peixes. Nas férias, a gente folga da gente. Depois tudo volta ao normal e o trem retorna aos trilhos. Mas é bom descarrilar uma vez por ano. Ô, se é...

P.S - Voltei da praia há uma semana. Descobri que retornar dourada faz muito bem à auto-estima. É como se você tivesse feito duas lipoaspirações e emagrecido 15 quilos. Constatei agora como posso "dourar a pílula". Com sol. Muito sol. Existir assim, me dá tal microfonia que me sinto "up" nos takes da tevê.