sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Tempo vil

Sempre me neguei a trabalhar por dinheiro. Não estou surtando, explico: minha labuta tinha a ver puramente com paixão e ideologia. Stendhal, grande escritor, já dizia que é um privilégio ter como profissão a paixão. A ordem dos fatores não altera a fruição. É um privilégio ter como paixão a profissão. Acreditei piamente nisso durante anos. Nunca fui ambiciosa, mas não tinha sequer metas rasas a respeito de sistema financeiro pessoal. Nunca foi minha lenda.Agora, aos 40 vi que pequei. E pequei por vários motivos. Ganho pouco e com 20 anos de profissão, me considero um fracasso. Porque andei 20 anos e recebo R$ 100 reais a mais daqueles que estão começando hoje. Quer dizer, não é só questão de orçamento. O buraco é mais embaixo. O rombo é na autoestima e não tem reajuste que irá compensar. Mas como viver não é necessário e trabalhar sim, todos os dias o alarme do celular avisa-me que é hora de subir nos tamancos e ir. Mas eu não tenho mais a ideologia que tanto fazia reluzir de fascínio o jornalismo. Eu a perdi há pouco, bem pouco tempo. Minha ideologia estava diretamente vinculada à minha meta. Antes, tinha por objetivo aprender uma palavra nova por dia. Mas não uma palavra do dicionário e sim as quais eu lia em livros ou resgatava em revistas. Foi com essa meta que fiquei conhecendo a beleza de um "exegeta" ou de um "prosélito" e a limitação de um "parvo". Troquei esse objetivo por outro mais duro e cínico. Meu foco é ganhar R$ 26 reais a mais diariamente. Este é exatamente o valor de duas horas extras, que faço para incrementar a renda. Troquei a literatura pelo vil metal. Isso me mata, mas é por sobrevivência. Que ironia funesta.

***E assim é o mundo; às vezes, sinceramente, desejo que Noé e sua comitiva tivessem perdido o barco.

(Mark Twain)

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