sexta-feira, 8 de junho de 2012

O livro da Vida (O prefácio visto por Marianna)


 Durante dias e dias Marianna me pediu como foi o início, o fim e o meio de sua vida. Como conheci seu pai - que para ela é um desconhecido, como rompemos, como ela veio ao mundo. Ela pedia detalhes como: se o dia que nos conhecemos era de sol, ou qual era a estação..depois disso tudo, me explicou que era para fazer o Livro da Vida. Na sétima série, aqui no Vale do Taquari (talvez em todo o Brasil) é costume os estudantes redigirem a narrativa de suas vidas, inclusive como eles gostariam de ser enterrados. Pensar na morte, nos mistérios insondáveis do universo, faz parte da experiência de aluno.
É um livro que os estudantes pensam durante todo o ano e fazem por partes. A primeira parte ela já entregou a professora e depois, com uma frustração de ter tirado B, me entregou o trabalho. Ela própria ficou muito orgulhosa do resultado e eu mais ainda, até porque me espantei com tudo o que ela percebeu em mim e sobre a vida dela. Ás vezes, um filho é o melhor espelho que você pode ter: ele revela os seus potenciais e os seus fracassos, ele revela até mesmo seus alçapões secretos.
Marianna escreveu o prêambulo e pelo texto, percebi o que ela não falou a mim. Um dia, ela me perguntou o que era "desinência". Eu expliquei, citando Millôr Fernandes, porque ele gostava de usar essa palavra. Ela pensou e disse: "gostei dessa palavra". E quando eu vi o texto, percebi que ela tratou de encaixar a palavra desinência no início do seu livro da vida. 
Gostei muito da minha escrevinhadora: eis o resultado..o B de Marianna!


 Por Enquanto

  Sabe aquela historia da princesa e do príncipe ? Ela a outra metade dele e vice-e-versa, declarações apaixonadas, beijos quentes e calmos , como se fosse o primeiro , onde na desinência tem o clichê   “Felizes para sempre” ?
   Então ... Esta não é a história .
   Ela , loira do cabelo até o ombro, olhos azuis um tanto fracos, um corpo nem muito e nem pouco. Ele não se sabe-la as feições , talvez um moreno ou loiro, sabe-se pouco, lembra-se pouco, mas leva-se muito .
   Ela no interior do Rio Grande do Sul, no ano de santo cristo não me lembro . Ele no Rio de janeiro tentando “sacanear” mais um bocó por ai .
  Não estou dizendo que ele era um golpista nem sinônimos deste, longe disto. Muito pelo contrario, pelo que se ouviu, era esperto , ágil , pensativo e um bolso furado. Nome sujo na praça, comia do bom e do melhor, vivia nos melhores hotéis e apartamentos, vistas de frente pro mar, boa lábia, sabia passar até  um leopardo para trás , tanto em perna quanto em cabeça.
  Ela na faculdade de jornalismo cansada de escutar o “blábláblá” do professor entrou em um tal de chat da uol ( sim existia naquele tempo). Não demorou e um cara bom de lábia foi a elogiando, a conhecendo, indo com calma mas rápido ao mesmo tempo, ingênua a pobre coitada nem notou que estava caído em mais uma armadilha do destino ( vulgo amor , os dois são a mesma coisa , sempre ferram com a gente) .
   Todas as noites ela e ele conversam via internet ( como eu disse , sim já existia naquele tempo ) . Um tempo se passou e uma proposta tentadora foi sugerida. Ele viria passar alguns dias no interior do Rio Grande do Sul , se desse certo ela iria para o Rio de Janeiro junto a ele . Topou , como eu disse , era ingênua.  
  Alguns dias depois lá estava ele, com as malas na Rodoviária de Lajeado, como boa moça Andreia foi busca-lo, não, ele não era dos mais bonitos, mas era gentil, carinhoso, educado ... A sensualidade não importou naquele instante .
  Os pais dela ( meus avós) gostaram do Mauro, parecia ser bem sucedido, e além do mais morava no Rio de Janeiro. Tudo até em então estava do bom e do melhor, aos pais lhe cabiam a ideia da filha deles passar a residir no RJ, ficaram com certo medo mas cederam, lhes pareciam um futuro certo ...
  Depois de uns três ou quatro dias , Andreia e Mauro partiram para o Rio de Janeiro. A cidade maravilhosa era um mundo novo  para alguém que vinha do interior do RS , cada lugar novo para explorar , praias belas para conhecer e um transito infernal para enfrentar .
  Ele morava no Leblon em frente ao mar , o apartamento era vago de espaço, mas a vista era linda . Todo santo dia de manhã minha mãe caminhava no calçadão do Rio , avistou famosos correndo na praia , e se encantava cada vez mais com a cidade .
  Mas ela também teria que ajudar nas contas da casa . O aluguel estava atrasado, era caro pois o apartamento onde moravam era um dos melhores do Leblon.
  Uma empresa de anúncios virtuais seria montada, estava tudo certo , a chances de dar certo eram as mesmas de dar errado .
  O tempo passou e o negocio tinha andando e as crises de casal chegado . Eles brigavam por tudo mas o principal assunto era o dinheiro, e com a noticia de que eu viria ao mundo alguns dias de pois as coisas apenas pioraram , mas meu suposto pai acima de tudo acompanhava minha mãe ao pré-natal e essas coisas que gravidas tem de fazer.
  Acho que ele seria um bom pai , queria poder conhece-lo, talvez um futuro longe ou próximo pouco se sabe sobre o amanhã.
  A noticia da gravidez surpresa de minha mãe  não amenizou as coisas , as brigas foram ficando mais frequentes e insuportáveis. Não tinha outra saída , a não ser minha mãe voltar para casa e me ter na pequena cidade do interior do Rio grande do Sul .
  Como não havia outra saída , foi isto que ela fez . Voltou para Lajeado em um dia que meu pai não estava em casa , pegou apenas algumas coisas e se mandou dali .
   Estava novamente em casa com os seus pais, e preocupada com a chegada da mais nova habitante deste mundo redondo mas quadrado ao meu ver.  Depois de três meses as roupas deixadas no Rio de janeiro voltaram para o lugar de nunca deveriam ter saído , as gavetas do armário do quarto da casa dos Rabaiolli do bairro Americano da cidade de Lajeado do estado do Rio Grande do Sul . Não se sabe a causa dele ter mandando as roupas de minha mãe apenas três meses depois de sua volta para casa, talvez raiva , talvez esperança , ou quem sabe não tinha dinheiro para mandar nem via sedex os trapos de minha mãe .
“ [...] Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como esta , nem desistir nem tentar agora , tanto faz , estamos indo de volta pra casa  [ ...] “ - Por Enquanto ; Renato Russo .

Um comentário:

Renatinha Breier Porto disse...

Putz!!! Tô chorando!!! Como essa professora teve a coragem de dar "B"????? Ela tem perspicácia, ironia, fluidez, estilo e personalidade no que escreve!! Vai botar a Pitinha no bolso ( e olha que sou fã nº 1 dela!!!)... Meu Deus, tomara que se torne uma "Jorge Amado" e não uma jornalista... e, se optar, ainda assim, em seguir a tendência da mãe, será, sem dúvida uma "Marianna Brum"... pq ela será única... amo tanto essa menina que tb é um pouco minha... ai, ai... babando total...
Dinda Rê
Renata Breier Porto