Todos os dias acordo cheia de dilemas. Não é do tipo: que roupa vou colocar. Pego a primeira calça, a bota surrada que está no canto quarto e o casaco do cabide. Simples assim. Meus dilemas não são confecções, mas são de vestir. É tipo assim: que moral vou ter hoje?Há tempo desconfio que a moral é customizada. A gente ajusta daqui, encaixa dali e quando nos serve, fizemos o discurso politicamente correto. Um deles é este: “Nossa como a prefeitura corta tantas árvores, que crime para a humanidade.” Nossa, como somos justos e bons.
No outro dia, estamos solicitando uma licença florestal para cortar a árvore da frente que cai folhas e suja o pátio. Quando ocorre com os outros, é desmatamento. Quando é conosco, é uma poda fundamental.
A gente se corrompe em pequenos atos cotidianos. Tem uma frase de Nietzsche que lembro quando penso na moral de cuecas: “Todo homem tem seu preço, diz a frase. Não é verdade. Mas para cada homem existe uma isca que ele não consegue deixar de morder.”
Somos iscas nesse planeta monetário.As vezes somos iscas apenas por vaidade e não é nem por dinheiro. Eu tenho erros nos quais patino toda hora. Com frequencia me abate um surto de moral. Eu nunca sei se sou uma pessoa boa ou má. Sou alguém “BAH” (Boa/ Má/Híbrida). Algo que está na média popular. Ser médio é tão chinfrim.
Sempre briguei para não ser “mezzo”. Estar em cima do muro, não pender para lado algum é o local mais perigoso que se possa estar. Opinar pelo “não sei”, navegar em águas mornas, não ferir ninguém nunca. Não é meu feitio. É bíblico e eclesiástico que se tome algum partido: “Oxalá sejas frio ou quente se fores morno de vomitarei”.
Ou erro bastante ou acerto no alvo. Assim, luto uma batalha interna para manter a lucidez. Quando penso que tenho dó de crianças estupradas, mães desamparadas, cachorros esfaqueados me considero “do bem”. Me julgo má quando recrimino e julgo um colega meu, falo mal dele ou quando solto as patas. E vou te contar: é tão fácil falar mal. Acho até que é terapêutico falar mal do outro. Firo facilmente. Inúmeras vezes falei de meus colegas pelas costas. Li textos de jornalistas e me regozijei porque eles estavam mal escritos. Que má que sou.
Mas chorei no filme “A Espera de Um Milagre”, e na hora me senti um ser “bonzinho”. Aquele R$ 1 real que dei na sinaleira para o malabarista que brincava com as facas me fez sentir melhor. Por um níquel comprei minha redenção. Nossa, como sou cristã.
Mas veja o quanto sou pecadora. Tenho inveja de quem ganha mais do que eu e só rezo quando estou desesperada. Então, clamo por Deus com o furor de um touro. Quando estou bem, esqueço as rezas.Sou fiel a Deus só quando me convém. Porque Deus atenderia um pedido meu em vez de o de uma pessoa faminta do Haiti? Assim, me sinto malévola ao rezar. Estou tirando o lugar de alguém.
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Eu choro.Choro verdadeiro, nao sou heroi, sou vulneravel e humana |
Todos os dias acordo querendo ser boa. Mas a grossura de um colega meu não deixa. A palavra áspera da minha amiga da fila me pega desprevenida e lá estou eu retrucando. Xingo o carro da frente, a filha que se atrasa, o chefe que não sabe se comunicar. Todas as noites deito-me me sentindo uma menina má.Então Cássia Eller me soma: “eu só peço a Deus, um pouco de malandragem. Sou criança e não conheço a verdade”.Esta crônica é um “mea culpa”, porque nesta semana foi aprovada a Lei de Acesso à Informação.Além do Executivo, Legislativo e Judiciário que agora vão ter de mostrar a cara (assim espero, mas não confio) quero ver os humanos confessar suas infâmias.
Só eu e o Fernando Pessoa estamos fartos dos semideuses do Facebook?Só eu e o poeta somos vis e infames nesta terra de gigantes que trocam vidas por diamantes? A humanidade é uma granja maquiada em uma propaganda de refrigerante.
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