quarta-feira, 30 de maio de 2012

Lajeado, cidade invisível


Fiz essa matéria inspirada no livro Fama e Anonimato, de Gay Talese. Foi uma tentativa de cravejar de informações e exercitar o olhar nao domesticado. Gostei do resultado....




 A capital do Vale do Taquari é uma usina de curiosidades, todas à mostra, mas por isso mesmo ocultas no anonimato da claridade.  Na cidade, 16 mil pessoas utilizam transporte coletivo todos os dias. As mulheres mais. Nas quase 25 mil residências existentes na cidade, difícil uma que não tenha animal de estimação. Mas o lajeadense gosta mais de cachorros do que de gatos. É a Lajeado humana, demasiado humana.



Há algo interessante em uma cidade com 71 mil habitantes? A rua dá uma lição jornalística: sim, sim, sim. Há sabor e dissabor na calçada, no céu, ao luar. Um cidadão precisa fugir do olhar domesticado para descobrir a riqueza das histórias anônimas.
Para falar de Lajeado vamos começar pelos anfitriões da cidade.  Não são homens, são imigrantes de concreto. Verdes. Habitam o primeiro canteiro da Avenida Senador Alberto Pasquallini, , dando as boas-vindas a quem entra na cidade. O Monumento ao Imigrante  é composto por quatro estátuas imponentes na entrada principal.  Feito pelo artista Marcos Datsch,, o monumento tem uma conotação significativa importante, que nem todos os habitantes de Lajeado se dão conta. Cada estátua tem uma representação: o agricultor com a foice na mão simboliza o início dos trabalhos dos migrantes. A mulher grávida, a maternidade e a fecundidade, a criança, a nova população que se sobressai em Lajeado e a estátua com o martelo, significa, a produção industrial que é a base do desenvolvimento da cidade.
São 14h de uma quarta-feira, a lixeira da Benjamin Constant está lotada, mas o caminhão de lixo só vai passar a noite.  Os gerenciadores de resíduos recicláveis reclamam: porque as pessoas colocam o lixo muito antes de o caminhão passar?  Entulho na rua dá espaço para gatos e mendigos futricarem e revolverem o lixo. Esta é uma concepção que as pessoas ainda não compreendem.
Os garis são companheiros da cidade. Eles iniciam o trabalho antes do amanhecer, param as 9h para fazer um lanche e tomar café e continuam a labuta de limpar as ruas, sempre de dois em dois. Na frente do antigo Fórum, os tocos de cigarro se instalavam nos paralelepípedos. Havia ali o maior número de “guimbas” por metro quadrado. E os varredores precisavam de esforço extra para colocá-los nas lixeiras. O fenômeno é explicado por hipóteses: como prisioneiros e advogados paravam ali, a espera das audiências, os tocos de cigarro eram jogados fora ao entrarem no prédio.  Lajeado, cidade humana..
Na Benjamin Constant, o número 1531 abriga  uma loja  de antiguidades, cheia de objetos velhos, caros e raros. Há adornos de mais de cem anos. O local atrai muita gente de fora da cidade, ávidos por pérolas de antigamente para decorar o lar. Lajeado, cidade antiga.
 Com 790 habitantes por quilômetro quadrado,  Lajeado tem muitas gente em pouco espaço. É  o décimo primeiro entre os 496 municípios do Estado com maior densidade demográfica. Isso significa que em algumas partes, a população vive “apertadinha”. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge) indicam que o número de habitantes por quilômetro quadrado é 20 vezes maior do que a média no Estado.Lajeado é um pólo regional, e devido ao grande desenvolvimento destas atividades, torna-se atrativo para pessoas de outros municípios em busca de trabalho.  Lajeado, cidade urbana.



Cidade Formigueiro

A vida é dia útil. E de segunda a sexta-feira, a sofreguidão  emperra o trânsito. Na cidade em média, para cada três lajeadenses há dois veículos para transitar numa cidade curta, mas pródiga em empreendedorismo. Todos os dias, as duas principais empresas de ônibus da cidade despejam 16 mil usuários. Em Lajeado, 25% da população costuma se deslocar por transporte público. As mulheres são maioria. . São também as mais exigentes. Querem pontualidade e não toleram superlotação.
Para  muitos o Centro é  local de comprar roupas, sapatos e jóias. Para corretores de imóveis e proprietários de prédios, de ganhar dinheiro: alugar uma loja por R$ 15 mil reais na Avenida Julio de Castilhos, com o metro quadrado mais caro da região e ver o investimento crescer. Para os lojistas, é o chamariz para atrair clientela, mulheres afoitas pela moda e oportunidade de abrir crediário. O Centro abriga 800 pessoas por quilômetro quadrado, mas a multidão está só na presença de si mesma. Enquanto a luz do sol banha a cidade, ruídos, descargas, buzinas, passos apressados, a diversidade está estampada num mosaico que ninguém vê: mas  há personagens que evocam curiosidade, dor, comiseração ou sensação de identificação. Lajeado, cidade formigueiro.
Os cachorros são os xodós da população de Lajeado. O Censo animal do município revela que em 70% das casas tem algum animal de estimação. Mas os cães disparam em popularidade.  Os lajeadenses gostam duas vezes mais de cães do que de gatos. Na carona dessa paixão animal, os pets se multiplicam em  Lajeado. Hoje são mais de 20. E o movimento não para. No Natal, o movimento nos pets aumentaram em até 30%.
Os donos estão dispostos a gastar com seu animal de estimação. Até as crianças levam os xodós para se enfeitarem. A prefeitura comprou 1.800 microchips para colocar nos cachorros da cidade,. Os chips vão ajudar  a localizar os animais se eles se perderem. Os animais que entram no Canil saem chipados e castrados, principalmente aqueles que se extraviaram nas enchentes. Lajeado, cidade animal.
Os lajeadenses gostam de engraxar seus sapatos. E o fazem na frente de uma padaria. Ali os jovens que engraxam ganham a clientela. Os fregueses da manhã aparecem por volta das 8h. São médicos, advogados, empresários que antes de rumar ao escritório, vão fazer o café-da-manhã.  Os engraxates percebem a  profissão do freguês pelo pé. Sapato bom e novo é usado por advogado ou doutor. As mulheres também engraxam suas botas, mas aquelas de canos altos tem valores maiores porque demandam o dobro de cera. Elas preferem a cor marrom, eles optam pelo preto. Sua freguesia se reveza entre esses dois tons. No verão o movimento diminui porque as mulheres trocam as botas pelas sandálias. Do promotor ao cobrador, a vida comum passa por cima da caixa de sapato do engraxate. Lajeado, cidade de malabares..

Lajeado tem mais de três mil pessoas morando sozinhas. São lares de uma pessoa só, que precisam apenas de meia dúzia de ovos, meia fatia de melancia, meio pão integral. Lajeado é a cidade pólo do Vale do Taquari e toda cidade pólo atrai pessoas que buscam novas oportunidades. A Univates hoje é um diferencial que Lajeado possui que potencializa a atração de pessoas, não só os estudantes mas também profissionais que investem sua carreira profissional na instituição. Muitos alunos e profissionais se transferem para Lajeado para residirem e exercerem suas atividades.  Lajeado, cidade dos “singles”



A união faz a renda

A renda conjunta das famílias lajeadenses é a maior do Vale do Taquari. O Censo 2010 identificou que dos 24.962 lares, 1.811 conseguem somar cinco salários mínimos por mês. Isso significa que a renda total de pai, mãe e filhos ultrapassa os R$ 2,725. Essa é uma característica de uma cidade urbanizada e com a economia diversificada.
Explica-se: enquanto Lajeado tem indústrias de alimentos, comércio forte, escritórios de advocacia, consultoria ou contabilidade, há mais chance de trabalhadores do Ensino Médio conseguirem cargos como atendentes, secretárias ou ajudantes de escritório. Nos supermercados, estabelecimentos pagam o mínimo para estudantes ou ocupam a terceira idade. As mulheres passaram de donas de casa a artesãs ou auxiliares de cozinha, farmácia ou balconistas. Todo mundo ajudando um pouquinho, avulta a renda no fim do mês. Lajeado tem cursos de aperfeiçoamento, diversas atividades e isso facilita a qualificação da mão de obra na cidade. Segundo o Ministério do Trabalho, mais de 30 mil pessoas estão empregadas com carteira assinada. 

Curiosidades
- Com 790 habitantes por quilômetro quadrado, Lajeado é o décimo primeiro em densidade demográfica entre os 496 municípios do Estado.
- O Estado tem 37,96  habitantes por quilômetro quadrado. Lajeado possui 20,82 vezes a densidade do RS.
- A cidade possui apenas 3% da área original. Há 120 anos tinha 3,5 mil quilômetros quadrados, hoje só tem 90. É decorrência das emancipações.


Jones: do IBGE
O que destaca o IBGE
- Em 1858  Lajeado possuía 188 pessoas, dos quais 112 alemães.
- 154 anos depois, Lajeado tem quase 72 mil pessoas: há mais alemães, mas os italianos também investiram na cidade

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