Isabel Cristina da Silva (35)não tinha nome nem sobrenome há um par de anos. Tudo o que possuía era um apelido conhecido da polícia. Tina, a pária. Cinco filhos, 1,60 de altura e outros tantos metros de ficha corrida criminal. Por 34 vezes levada a Delegacia de Polícia, autora de furtos e arrombamentos e por três, encarcerada. Tina, uma alcunha maculada pelo crack. Tina, reformada, agora surge como Isabel. O primeiro nome será seu escudo, uma maneira inaugurar a mudança de vida que iniciou há um ano e quatro meses: 487 dias limpa: 701.280 minutos que não mais se esvaem na fumaça do cachimbo imundo. “Eu não aceito mais que me chamem de Tina. Sou a Isabel”.
Sua história de drogadição foi curta, intensa e devastadora. Uma viagem ao fundo do poço que começou aos 30 anos, quando ela já fora mãe de cinco.
. Enfeitiçada pela droga da ilusão, ela colocava em perigo sua segurança e a dos filhos. O pequeno, com 12 anos à época, a vigiava duas esquinas antes, embaixo de uma parada de ônibus, para que nada acontecesse à mãe enquanto ela fumava até o restolho da pedra.
Virou zumbi. Com demais zumbis da cidade, começou a furtar. Exterminava 20 pedras por dia: quinze minutos sem entorpecente eram eternos. “Depois que me atirei e que não vencia mais o vicio, cheguei a gastar R$ 3 mil em duas noites.” Crack e álcool, companheiros de solidão. Pela cidade, Tina vigiava as casas. Batia e aquelas em que ninguém respondia, arrombava. Televisão, micro-ondas, aparelhos eletrônicos surrupiados e repassados para receptadores. Recebia R$ 50 reais por um televisor 20 polegadas. Fumava o dinheiro em três horas.
“Tina, um perigo a sociedade. Rádio, jornal, promotor diziam isso. Eu me sentia um lixo, eu queria sair mas a droga não deixava. A droga tirou o sentimento, o amor que tinha pelos filhos. A droga tira tua dignidade.” Tina, um produto do crack à espreita da polícia. Fichada 34 vezes, em três conseguiu ser encarcerada. Duas vezes foi recolhida ao presídio feminino Madre Pelletier em Porto Alegre.
Habituada às ruas, arrombamentos e a degradação da pedra, Tina tinha o marido e os irmãos na sua cola. Por mais decepção que ela lhes dava, sempre voltavam para resgatá-la. Foi essa insistência que salvou Tina. Ou melhor, matou Tina e fez emergir Isabel. Pela mão da família, conheceu o caminho da clínica de recuperação: 40 dias na Central lhe ensinaram uma nova maneira de viver.
Anjo de uma asa só
Nas reuniões de mútua ajuda, os grupos de Narcóticos e Alcoolicos Anônimos precisam uns dos outros. São na filosofia da recuperação, “anjos de uma asa só”. Para voar, precisam da mão e da “asa” do amigo ao lado. Só se alça voo com o apoio do grupo. Por isso, os dependentes em recuperação frequentam as reuniões durante anos. Três vezes por semana, Isabel reencontra os companheiros, ouve a história deles e dá o testemunho de sua drogadição.
Da vida-zumbi, Isabel galga sua saída do fundo de poço. A cabeça emerge, resoluta, do precipício. O desafio é viver a cada 24 horas . A cada 1.440 minutos agradece. “Só por hoje viverei esse dia e não tentarei solucionar meus problemas de uma vez.” Até que o hoje se transforme em passado e o passado em uma década. Ela então receberá a famosa medalha preta dos Narcóticos Anônimos: a medalha dos múltiplos anos longe da droga. Isabel reza a filosofia que ajuda a vencer o vício: Só por hoje nunca mais.