quarta-feira, 20 de julho de 2011

A dor do diferente

Simone toca piano, flauta e guitarra. E nas horas vagas, treina o afinamento da sua voz em aulas de música. Simone se engaja no que faz e está preocupada com a justiça social. Simone recebe o mesmo valor salarial do que Eduarda. Ambas atuam no grupo Tenha Dó, Faça La e Guarde em Si. Um quinteto que peregrina pelo Estado causando impacto e sensações através da música. Eduarda é uma boa musicista, mas só toca trompete. Enquanto Simone atua em quatro frentes, robustecendo e qualificando o grupo, Eduarda se mantém na sua posição. Faz bem também, mas é mulher de um instrumento só. O maestro diz que não dá para aumentar o salário, porque a disparidade iria contra os princípios de igualdade, afinal as duas estão na mesma categoria. E depois deste patamar, a única categoria existente é a de regente. OU seja, apesar de Simone ser uma mulher-orquestra, estará relegada ao principio de igualdade do quinteto Tenha Dó.
Acontece que Simone sabe ser diferente. Essa diferença às vezes causa exclusão. Com tantos instrumentos ao redor de sí, o seu mundo, a sua percepção, são aptidões artísticas. Ela também tem mania de dizer tudo o que pensa, algo que desafina do coro dos contentes. Nunca é conveniente ser lúcida demais. A lucidez em excesso proporciona um estima de loucura, eis aí outra diferença. Mas Simone gosta desta cara limpa. É como se ela conseguisse o equilibrio cortejando a insanidade, como cantaria Renato Russo.
Mas em síntese, quando a banda toca, ela se sobressai. Digamos que em campo, ela seria o atacante. Pode-se difamar o diferente, mas a verdade é que o diferenciado é o melhor entre os iguais. Áristóteles percebeu isso há milênios e identificou alguns principios da igualdade, entre eles o da "igualdade proporcional qualitativa", significa tratar igual os iguais e desigual os desiguais. É um paradoxo complicado: tem que pensar um pouqinho, mas em síntese seria: desigualar para criar igualdade.
Dentro da nossa histórinha fictícia, a musicista Simone deveria receber um salário maior do que Eduarda para que a igualdade fosse realmente justa. Ela possui um mérito maior. Então é assim ó, nas palavras de Rui Barbosa: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não, igualdade real".
Ao tentar fazer justiça com uma norma equivalente a todos, a diretoria do grupo Tenha Dó pecou na injustiça porque igualou o salario de Simone ao da Eduarda. Os juristas dizem que na desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”. Deste modo, “a desigualdade nem sempre é contrária à igualdade”.  Eu confesso que essa é uma relfexão egoísta. Eu poderia falar da lei de cotas, dos deficientes, mas escolhi o ângulo salarial numa historinha falsa para ponderar sobre o principio da isonomia.
Mas olha só, estou completamente errada pela ótica da CLT:  o princípio de isonomia salarial entre os empregados está baseado no salário igual para trabalhos de igual natureza, eficácia e duração, sem distinção de nacionalidade, sexo, raça, religião ou estado civil. Talento, esforço e dedicação não estão inclusos na regra da equidade. É a dor do diferente!

São todos iguais
E tão desiguais
uns mais iguais que os outros
(Engenheiros do Hawai)

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