terça-feira, 31 de agosto de 2010

Desce o pano!

Ao longo de minha carreira jornalística, tive a oportunidade de elaborar três matérias sobre suicídio, essa tragédia silenciosa que assola o Rio Grande do Sul, o estado líder no rankig do autoextermínio no Brasil. E dentre as regiões gaúcha, o Vale do Taquari desponta com destaque nessa negra estatística. O número de pessoas que cometem assassinato contra sí, aumentou em 23 por cento de 2008 para 2009. Ano passado, 63 pessoas decidiram pelo gesto final e deixaram suas famílias estarrecidas. Optaram pelo último ato, puxaram o pano (como se diz no teatro) para sair do palco da vida. O que choca a sociedade é o índice de jovens que interrompem o futuro. Decepam as esperanças e num impulso defintivo, viram algoz de si mesmos.
Uma das reportagens mais emblemáticas e a qual pairou muito tempo na minha cabeça foi escrita por Eliane Brum em 2009 na revista Época. Ela retrata a história de um garoto que foi estimulado ao suicidio e auxiliado por pessoas anônimas da internet. Sua morte, foi assistida por internautas de diferentes cantos do mundo, que diziam: "Sim, mate-se". Sua morte foi executada por ele mesmo pelo metodo barbecue. Colocou grelhas queimando no banheiro, para morrer por inalação de monóxido de carbono. Elas estavam em chamas, uma ao lado da outra, enquanto ele morria assim, assistido pelo mundo virtual. Em dado momento, o menino suicida escreve: "Ah, meu Deus. Eu não consigo suportar o calor. Está tremendamente quente no banheiro. O que eu devo vestir para se tornar mais suportável? O que eu devo fazer para desmaiar, por Deus?"
Alguém o orientou a retirar as roupas e encharcá-las para aguentar até desmaiar. Muito tempo depois, outro internauta escreve: "Acho que funcionou, já que ele não entrou mais em contato."
Não foi a primeira vez que ele tentou se matar. Mas foi a primeira vez que havia vozes torcendo para ele morrer. Dizendo como ele podia morrer. E desta vez ele morreu.
No mundo todo, adolescentes são incentivados a morrer pela internet. No Japão, os suicídios ligados à rede aumentaram 70%. O crime de instigação ao suicídio é previsto no artigo 122 do Código Penal Brasileiro. A pena é de 2 a 6 anos de prisão, dobrada se a vítima for menor de 18 anos. Essa é uma das faces de quem escolhe a morte como subterfúgio. Uma matéria retratada com detalhes pela repórter da Época que serve de alerta para deixar vigilantes as autoridades e os profissionais ligados a saúde. O assunto é pesado, as estatísticas são sinistras, mas é preciso começar a falar do assunto e deixar de lado o tabu que envolve o tema.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A menina que matou os sonhos

Indicada por um colega, leio uma matéria fantástica que saiu na Zero Hora neste final de semana. Com um texto desenhado em palavras e frases indefectíveis, Ricardo Stefanelli, diretor de redação da ZH relata o reencontro com Tatiane, uma ex-interna da Febem que fora notícia ha 18 anos sob a manchete: "As crianças que ninguém quer". Tatiane morava na ala que era considerada o "ferro velho" da instituição, porque estas eram crianças rejeitadas por serem mais velhas ou negras. Stefanelli revolveu a história e foi buscar sua velha amiga, que na época, de tanta atenção que queria, enroscava-se em suas pernas. Hoje, mulher feita, 25 anos, com um marido e nos planos, um filho para o futuro, Tatiane é protagonista de uma nova versão da sua vida: com sonhos e esperanças que se concretizaram. A menina de tiara que sorria se transformou em uma jovem esposa de largo sorriso, cuja trajetória foi salva por uma adoção: um ato de afeto da professora Rosemari Faleiro.
Esse preâmbulo todo foi para me referir ao título da reportagem recente: A menina que sorria. Tatiane conseguiu vencer a rejeição e descartar os vestígos de um passado não venturoso. Emerge com planos que vão ser costurados a dois, quem sabe a três, quando o filho que ainda não está no ventre nascer.
Eu me comparei. Vi que tive muito mais do que ela. Vi que tenho muito menos. Me sinto roubada. Sequestraram meus sonhos. Por Deus, ou eu os matei. Todos. Não sobrou um para contar história. Não tenho desejo de fazer família. Adormeci a ideia de cativar um namorado. Não me atiça o gosto por subir degraus no meu trabalho. Não me assanha nenhum tipo de desejo. Sou uma mulher ausente e autômata. Liguei o piloto automático e vou sobrevivendo. Mas, como esclarece Osho, sobrevivência não é vida.
Talvez meus sonhos estejam sepultados nos porões da mente. Talvez trezentas sessões de psicanálise os façam vir à tona. Não sei como vai acabar a minha história. Uma trajetória insossa, mas um caminho que é o meu. Pelos céus, eu queria que esse meu caminho valesse ao menos um bom sonho, com perspectiva de realização.

domingo, 15 de agosto de 2010

Os passeios de Babe


Uma pesquisa revela que passear com o cão diminui o estresse. O simples hábito desencadeia sensações profundas de alegria e calma nas pessoas. É a ciência jogando a favor dos animais. Mas o que a ciência diria de uma porquinha que anda de peiteira, passeia pela rua fuçando o barro e a relva e reclama se o dono não a leva a dar uma voltinhas?Tais peripécias suínas estão bem pertinho, no Bairro Conventos. Fui lá fazer a matéria, e Babe, a porquinha, apesar de mansa com o dono, não queria trela comigo. Ficou histérica ao perceber que eu queria fotografá-la. Os oincs-oincs dela foram a 40 decibéis (to chutando).

O verdureiro AdelinoSchmitz (49) fez uma peiteira: amarra uma corda de náilon grossa no pescoço e atrás das pernas dianteiras . Depois de se certificar que ela não vai fugir, a orienta pela estrada de chão batido, à vista dos vizinhos. É uma graça. Motoristas que passam pelo local, esticam o olho. Os mais animados tiram o tempo para fotografar. O dono não diz, mas se percebe o orgulho por tal façanha: domesticar um suíno.
O nome da porquinha – que de pequena não tem nada, pois pesa 80 quilos – foi inspirada no filme “Babe, o porquinho atrapalhado”, produção australiana de 1995. “Ela é bem limpinha, dou banho de mangueira”, conta Schmitz.Babe é tratada com ração e resto de alimento. Na fase adulta deverá atingir os 300 quilos. Os passeios acontecem próximo ao meio-dia. A porca, que não é burra, segue faceira perambulando pela via. Parece ter nascido para a vida canina.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Queremos sapos!

A vida é assim. A mulher engravida, fica sabendo que é menina, prepara o quarto com fitinha mimosa e sonha quão feliz será sua filhinha. Aí a Laura nasce. Paparicos, princesa prá cá, princesa prá lá. Os pais dando vazão ao tradicional dilema de que se existe princesa, há de se ter um príncipe. Um cavalheiro, gente fina, boa praça. Sõ não salva do dragão porque os bichos mais perigosos estão confinados no zoológico. Mão hão de tirá-la da solidão e do duro estigma, depois dos 30 de tiazona.

Então crescemos com esse paradigma. Desde a tenra idade as mamães, babás e tatas nos apregoam, com sutileza, através de fábulas uma bela vida. Elas estão nas histórias da Cinderela e da Bela Adormecida. O príncipe sempre está lá. Firme e forte, para salvá-la, como tem de ser um final feliz. Dormimos com isso na caxola.

A Sofia, boa guria, a Catarina, nobre menina, a Maria Eduarda, a danada, já crescem pensando que vão encontrar o seu.

Na adolescência, cheia de ruge e batom, permeia seus sonhos com filmes modernos. Na cadeira do cinema invejam a cena em que a mocinha cativa o cara sedutor - aquele Deus grego - e dá um big beijo de língua. Está selado o compromisso. The end.

Ao entrar prá faculdade percebe que as coisas não são bem assim. Uma olhada no jornal - da região mesmo - e a constatação: o censo diz que há 1390 mulheres a mais no Vale do Taquari. Outros tantos - não detectados no levantamento porque isso seria discriminação, segundo o IBGE - de hermafroditas, homossexuais.

Bom, é preciso campear um príncipe com isso que está aí. Então ela arregaça as mangas, olho no olho, mão na mão e despesas a rachar. Afinal, o princípe quer igualdade e isso começa ao jantar.

Ele também já não está muito disposto a esperar você entrar em casa para arrancar o carro e mostrar com quantos cavalos de aço se faz um cara bom de braço.

Você vai dormir com a sensação de um soco no estômago e com a comida que você pagou ainda entalada na garganta. Lembra do conto de fadas e verifica que conto de fadas tem esse nome porque é puro conto. 171. Mas as mulheres não desistem. Persistem. Querem o seu cavalheiro com escudo e bravos. Aguerridos. Mas sem máscaras. Querem um homerm para chamar de seu. Mesmo que não façam parte do clã da Távola Redonda. Mesmo que sejam galãs enrustidos, sem o glamour pintado na tela do cinema. Quem não tem Sir Lancelote, caça com pedreiro, bodegueiro, caminhoneiro...

Mesmo que seu príncipe nem seja corajoso para erguer uma lança, mas estóico o suficiente para atrelar sua mão à dela durante uma passeadinha no shopping...

Bravo o suficiente para chamarem-na de princesa em frente a seus iguais

Heróis o bastante para assumirem um único compromisso. Não estamos enclausuradas na torre do Castelo, não queremos o enfado de uma vida regrada e virginal sem emoções ou paixões..não queremos compaixões

Queremos sim um principe real. Mesmo que ele seja boy, metaleiro, pedreiro, padeiro, empresário, repórter ou picareta de carros. E para ser príncipe, não é preciso muito. Para nos salvar da boca do dragão, basta nos dar amor e afeto exclusivos. Queremos sentir-nos as princesas únicas. Será que é pedir de mais de um homem?

Então, por favor Deus, dai-nos sapos. Pelo menos assim a gente sabe como transformá-los em principes. Basta um simples ósculo. Um apenas.

Sim, porque com os homens de hoje, a gente beija, beija e não dá nada!

* Crônica escrita em 2003

domingo, 8 de agosto de 2010

Penso com os dedos

Imagine caro amigo virtual, que eu tenho uma bizarra mania (sim, no meu caso é bizarra e explico o motivo). Me apeguei ao costume de escrever no papel, todos os meus textos, todinhos, eu rabisco em um bloco para só depois digitar no computador. Em qualquer outra circunstância, e não sendo jornalista este hábito não seria considerado esquisito, mas como repórter de jornal impresso, eis uma tarefa hercúlea.É muito trabalho. Enquanto escuto o tec tec do teclado dos meus colegas, eu - só eu - faço as matérias no bloquinho. Um colega ri, o outro se exaspera e diz que nunca viu disso. Argumenta que minha teimosia dá retrabalho. Sim, concordo. Depois que coloco o ponto final no bloquinho, lá vou eu começar a escrever no computador.
Veja só: ttenho 17 anos de profissão e nunca senti essa necessidade de manuscrever.Mas há um ano este hábito parece encravado em mim. Já tentei sentar na cadeira e digitar direto, parece que a inspiração não vem. Quando empunho a caneta, o texto flui e as palavras voam sem dificuldade da minha cachola. Eu penso com os dedos!!Que paradoxo estou vivendo. Em pleno século 21, uma mulher da net como "jo" (tenho Orkut, Facebook, Twitter, Badoo, Blog e 3 MSN) sou forçada por meu cérebro a posar com uma atitude jurássica em meu ambiente de trabalho. Sou a que mais gasta canetas e blocos dentro da redação. Consumo um tubo de tinta em três dias. E ai vem outro problema. Como adoro canetas e não aceito escrever com qualquer Bic, tenho de me virar e procurar aquelas com as quais eu me afino. Geralmente, a farmácia é a vítima. Quando lá vou comprar meus remedinhos, lanço mão de algumas bem bonitinhas (canetas de laboratório são mui formosas, pode ir por mim). Pena que elas terminam logo em minhas mãos. Só consigo colecionar caneta vazia. Humpf.
Estou a fim de dar mais um tempo nesse lance de matérias manuscritas e depois passar para a fase moderna, mesmo que meu cérebro não queira. Vou insistir com fórceps para que ele chegue junto e seja páreo para a massa cinzenta de meus colegas. Sabe o que é misterioso, caro leitor, é que escrevi esse post todinho no computador. Meu cérebro é enigmático.