terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Não somos de palha




Dói ver o flagelo pela televisão. Em uma das tantas cenas repetidas da tragédia catarinense, havia uma menina loirinha, chorando desesperadamente com a voz quase inaudivel, tamanha era sua perplexidade. As chuvas levaram seus sonhos de infância e sua melhor boneca. Falar de boneca quando tantos perderam a vida parece escárnio, mas não é. É só uma tentativa de personalizar a tragédia. E essa guriazinha com seus soluços me veio como um tapa na cara. Eu, que gosto tanto de falar em relacionamentos e natureza humana, puxo o tema para o outro lado: a solidariedade tem alma. Gestos de grandeza foram narrados por repórteres. Atores,cantores e apresentadores mobilizam-se em campanhas. Mas o que comove mesmo é o esforço anônimo de quem não tem nada para dar, e mesmo assim arranja forças para doar tempo e arriscar a vida, salvando outrem. A tragédia aproxima as pessoas. Graças a Deus, não somos de palha a ponto de assistirmos imóveis tamanha derrota humana. Enternece até o esforço das pessoas mais "casca grossa", que a priori, não sensibilizariam-se com nada.
Não estamos inertes à desgraça vizinha porque sabemos que não estamos incólumes. O Rio Grande do Sul foi o primeiro país a prestar ajuda aos irmãos de Santa Catarina. Irmãos porque a tragédia confraterniza. Há uma dor que jamais saberemos como ela realmente é, do filho que foi soterrado por escombos. Mas que permanece insepulto no coração de mães e pais. Quantas histórias atrás das mais de cem vidas que foram ceifadas, aterradas pelo barro. Os números são estanques, não dão a dimensão do sofrimento moral, psicológico e físico. Um senhor, com o olhar parado, conta na televisão que ele está fazendo caixões voluntariamente. Grudou a motossera nas árvores e ajuda os conterrâneos, tentando talvez, dar sentido a sua vida.
Daqui do Vale do Taquari, bem alimentada, aquecida e protegida, fico com um nó na garganta. Um grito meu que não eclode, mas que irrompe nos meus olhos com lágrimas. Considero grande a alma de quem se desvicula de todos aqui para ir para lá ajudar. E sim, vejo pequeneza na minha, que não arredo o pé daqui. Sinto culpa por não sair da minha zona de conforto. Vou ajudar, mas não da forma que eu quero.
A tragédia humaniza porque de alguma forma queremos ajudar a tirar a dor do outro. No fundo, há também um sentimento de culpa. Quem aqui por esses pagos ao ouvir a notícias da calamidade não pensou: "ainda bem que não foi aqui". Somos também solidários porque carregamos um pouco da culpa por pensar: "ufa, não é comigo". Mas, vejam vocês, não importa as motivações. O ser humano, se é egoísta, também é solidário por natureza. Seria o cúmulo do coração de pedra observar tudo isso e ficar parado, bem paradinho, sem nem botar o a mão no bolso para ajudar com algum dinheiro ou algum tipo de doação. Não somos de gesso. Mexemo-nos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom o artigo. Parabéns!
Seu texto está cada vez mais maduro e saboroso, sem perder o "lirismo visceral" que é sua caracterista principal.