quinta-feira, 26 de maio de 2011

Testemunhas do leito zero

Tudo aconteceu rapidamente e sem prévia negociação. O celular tocou e eu atendi. Uma hora depois, já estava dentro da sala de cirurgia, esperando para assistir um homem ter seu crânio aberto com bisturi e ver o lado mais interno do ser humano. Aquele que a gente nunca vê, a não ser os médicos. A matéria era clara: mostrar a agonia de pacientes que esperam leitos de UTI. Um fato recorrente na região, mas dessa vez, a reportagem foi chamada para assistir "in loco" um paciente que não devia estar na cirurgia, porque ele não devia ter dando entrada no hospital da cidade. Não havia leito para ele. Em palavras toscas, o "paciente foi enfiado goela abaixo" pelo sistema. O sistema, aquele no qual eu, você e o João do Morro 25 estamos inserido. Aquele, único da saúde brasileira.
Eu e a fotógrafa Lidiane Mallmann repetimos a parceria. Jornalista e fotógrafa a postos. Logicamente consideramos um "privilégio" ter estado lá, naquela hora e dia e local. Desmistifiquei muitas coisas dentro daquela sala. Primeira delas: médico atende celular sim, dentro da sala de operações. É algo meio surreal, mas é tão normal quanto um padeiro que faz seu trabalho. As pessoas conversam, fazem observações. Era meio dia e o medico brincou. "Perdi o sorteio do bife em casa", enquanto costurava a cabeça do paciente. A Lidiane pensava. "Nesse momento ele é Deus". Ele detinha em suas mãos o poder de dar vida ao jovem ou de sufocá-la para a eternidade. Só que vê, quem olha bem naquela hora, percebe a magnitude do ato. O poder que emana de um neurologista, ou cardiologista. Alguns médicos "istas".
Foi fascinante pelos detalhes. O crânio sendo aberto, o osso sendo cortado, o hematoma sendo drenado. Mas antes de tudo isso, a preparação. Nada pode dar errado em nenhum átimo de tempo. A sala de cirurgia tem duas cores: verde e azul. Nas pessoas com uniforme verde, você pode tocar. Nas de azul, jamais. E nem nos panos azuis. Somos povoados de bichos, de vermes invisíveis (e ainda queremos ser glamourosos). Na hora da cirurgia, a assepsia é total. Pessoas de azul vão tocar diretamente no paciente, por isso são totalmente higienizadas. Elas não poder mexer nem nas calças que estão caíndo. Se isso ocorrer, os verdinhos entram em cena e levantam o cós da calça. Mas o médico de azul: never. Tudo isso é para evitar infecção.
Algo que causou impacto: os panos que estão na cabeça do paciente, são costurados na pele do crânio. É uma medida de proteção para que eles não escorreguem. Nenhum detalhe escapa, porque se escapar, o paciente pode morrer e o médico, ser acusado de negliência. A vida é fascinante. A  luta para manter a vida palpitando, mais ainda. E hoje eu agradeci por ser jornalista. Minha profissão me leva a locais que nenhum turista com 200 mil na conta bancária consegue ir. Ele pode viajar a Grécia, mas só eu e a Lidi vimos um maestro orquestrando a vida.

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