
Não tem nada de lírico na pobreza, mas do jornalismo que se faz dela sim. Sou apaixonada pela profissão e isso se deve ao fato de poder entrar na casa e na vida alheia. Conhecer anseios e mesmo frustrações. Por isso misturo o jornalismo literário com o social. Gosto de escavar histórias aparentemente pobres, de gente singela. O que uma senhora analfabeta, moradora de um casebre cheio de fendas e goteiras tem a dizer? Meu trabalho é dar voz a ela. Mais do que isso, ouvir o que ela diz, mesmo sabendo que não conseguirá expressar-se adequadamente através das palavras. Quando dou um passo para dentro da casa e da vida de uma pessoa, presto atenção nas paredes, quadros, na expressão do rosto, vincos da testa, no aperto de mãos. Acredito ter o dever de perceber a linguagem eloqüente dos sinais e passar isso para o papel. Transmitir o cheiro que recende do ambiente, da vida que está na minha frente. O olhar deve ser treinado para observar mais do que uma outra pessoa. É dever jornalístico passar ao leitor o que nenhum outro visitante da casinha perceberia, se adentrasse nela. Obrigação decodificar cheiros, gostos e sabores que se descortinam sob o véu da pobreza. Mais do que isso, temos de ter o ideal - quase um dever - de mostrar o valor impagável de todas as pessoas perante seus destinos. Apresentar argumentos para convencer que todos merecem viver com dignidade na boa e bela companhia do anonimato. Nosso trabalho é fazer o leitor perceber que na retaguarda de um plano de vida aparentemente insípido, esconde-se uma lenda pessoal. Alguém lutando para não ser denegrido pela cor da pele, falta do vil metal ou ausência da escolaridade. Uma matéria sobre o assunto não vai mudar a mundo e nem cabeça de ninguém. Mas muitas, transformarão a visão de quem lê. Ao bater sutilmente nesse rodo cotidiano, a tecla da imprensa pode desfazer preconceitos. Quebrar o gelo que transpassa pelas classes sociais. E a voz calada de gente simples têm grande chance de ressugir das verdades adormecidas. Saberemos então que nenhuma palavra será escrita para nascer morta.
Um comentário:
Incrível esse texto. Traduzir cheiros, sabores, sinais... Isso é ser Pitônica.
Beijos.
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