quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Boa-fé

Quero falar aqui de algo que eu possuo em abundância e por isso às vezes sou enquadrada como ingênua: a boa-fé. Já falei vários posts abaixo, sobre a necessidade de ser boba, mas não burra. Boba no sentido de sempre acreditar no outro e não perder a fé na humanidade, crer sempre que as pessoas dão de si o seu melhor. Julgo que isso é ser de boa-fé. Saber acreditar nas pessoas e também acreditar em si mesmo, agindo de boa-fé para com outrem, mesmo que você possa dizer uma grande bobagem. Mas se você acredita piamente nela, a intenção não pode ser desqualificada.
O filósofo Andre Comte Sponville, no Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, relaciona a boa-fé como uma delas. Ser de boa-fé não quer dizer estar acompanhado na verdade, mas esta virtude tem mais a ver com uma crença. Diz ele: "Ser de boa-fé não é sempre dizer a verdade, pois podemos nos enganar, mas é pelo menos dizer a verdade sobre o que cremos, e essa verdade, ainda que a crença seja falsa, nem por isso seria menos verdadeira."
Ele distingue a sinceridade da boa-fé: ser sincero é não mentir a outrem; ser de boa-fé é não mentir nem ao outro nem a si. A boa-fé é uma sinceridade reflexiva e deveria tanto reger nossas relações com o outro mas como com nós mesmos. Quantos de nós temos boa-fé para esquadrinharmos nosso interior e retiramos a máscara social que muitas vezes colocamos como modo de defesa e para sobreviver nessa sociedade caótica e hipócrita? E para preocuparmos mais com a verdade do que com a opinião pública?Às vezes, ter boa-fé com os outros é mais fácil do que ter conosco, muito do que acreditamos está tão enterrado, submerso em nosso íntimo que nem cremos mais que tais valores estão dentro de nós.
Conforme Sponville, a boa-fé não substitui a justiça, a generosidade e o amor. Mas que seria de uma justiça de má-fè? O amor à verdade, eis o que é a boa-fé, mas o amor à própria verdade interna, como dizia Freud, “o que deve excluir toda e qualquer ilusão, todo e qualquer logro”.

Nasce outra década

Último dia do ano. Entraremos em uma nova década, 2010 tem que ser dez no campo profissional e das emoções, mas eu confesso que estou fazendo diferente. As esperanças que se renovam para todo mundo nesta virada não fazem parte do meu arsenal para melhorar o novo ano. Eu desafino do coro dos contentes e não projeto nada, não vou emitir nenhuma resolução (e eu teria muitas), justamente para não me frustrar no fim do próximo ano. Mas eu acho bacana esse clima pressentido de alegria e leveza que toma conta de muita gente nesta época. Aqui em casa, mesmo que meus familiares não verbalizam, eu sinto que eles esperam 356 dias melhores. Em clima de festa, eles vão arrumar o salão para a meia-noite e minha mãe fará as tradicionais palhaçadas, animando a turma, que depois de explodir os fogos que explodir também na alegria. Que nasça 2010, e que como um bebê que ilumina o lar, que possa vir na carona desta década uma força contagiante e se instale dentro de cada um de nós.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Tristeza na alegria

Entre as páginas da minha agenda do ano anterior - porque eu sempre anoto coisas importantes e perenes no folhear dos meus dias - releio um trecho atribuído a Arthur da Távola e uma frase percorre a espinha porque a identificação com o que ele diz é tal que pareço entrar nas palavras dele. Quanto mais eu leio, mais eu me introduzo no contexto e sinto que sentimentos aparentemente dissonantes se grudam para uma desfecho de sensações.
Távola escreveu que quem se alegra demais se distancia da felicidade. A felicidade está perto da tristeza porque a certeza da perda se instala a cada vez que estamos felizes. Bingo. É isso. Quanto atingimos o ápice de um sentimento de alegria e mesmo desfrutando do momento extremamente apreciado, no fundinho, lá na berlinda do coração, sabemos que esse apogeu de sensações não vai durar para sempre. Sem querer nos despedimos do momento de extrema alegria antes mesmo que a despedida se faça presente. É por isso que julgo que um instante de extrema felicidade nunca contém uma dose tão alta dela assim, porque automaticamente a gente trata de ter saudades desse momento que ainda nao passou.
Nosso cérebro e pensamentos são extreamente ágeis e funcionam por vias inconscientes e terminações neuronias complexas e tão profundas que mesmo sentindo tudo isso a gente não consegue explicar em palavras. AS vezes, nem nos damos conta de que sentimos assim. Só percebemos isso quando outra pessoa consegue verbalizar tais tormentas emocionais. Aí nos identificamos e dizemos: "Ah , é isso". E vem uma gratificação por sabermos que o que sentimos não são sentimentos inéditos. Percebemos que tem alguém que sente igual. Ufa, ainda bem.

** A tristeza feliz, não a que deriva das grandes dores, frustrações ou amarguras. É a que se associa ao momento bom, como a perda inerente a cada encontro, como sentimento de certeza de que tudo aquilo passará.

*** Felicidade está mais perto da tristeza, porque a certeza da perda sempre se instala a cada vez em que estamos felizes. Cada encontro está carregado de perda. Nesta vida. E até na outra, que se existe (e permitirá o encontro redentor), precisou da perda desta vida. E esta certeza – a da perda – a que provoca aquela lágrima ou aquela angústia, que a gente não sabe porque às vezes se instala após os verdadeiros encontros. Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um ‘e depois’, após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada.