Eram 18h30 de uma sexta-feira fria. Havia acabado de sair da redação pois durante o dia, trabalhara na luta de Brizola e os 50 anos da Legalidade. O dia em que um taura macho enfrentou os generais. Saíra do reduto jornalístico com a sensação de dever cumprido, sem saber que dois minutos após, um outro dever estaria em minha frente. O dever de sentir o que passa uma vítima de assalto.
Acabara de colocar a mão no iogurte da geladeira quando ouço uma voz fraca: "E um assalto, é um assalto, não façam movimentos." Dois homens encapuzados protagonistas do ato. Fixei os olhos em um durante alguns segundos, pensando ser brincadeira. Olhei a arma, era lustrosa demais. Parecia leve demais. E certamente pela frouxidão da voz de comando, ERA UMA BRINCANDEIRA. Mas não era porque logo após eles tentavam coagir: "Vamos matar um. Vamos matar um."
Percebi que passava por um verdadeiro assalto. Sem pensar, agachei-me. Meu objetivo era jogar a bolsa no chão e pegar a chave do carro e os documentos. Sabia que a falta de carta de motorista, identidade, cartões, me daria uma dor de cabeça danada. Não deu tempo. O bodoso veio atrás da prateleira ao meu lado me intimar. "Larga, larga". Tomou-me a bolsa vermelha com toda minha vida dentro. Estou sem identidade. Nunca tive antes, sempre me achei meio errante. Mas agora não posso provar que eu sou eu. E isso vai me dar um trabalhão. Estou sem identidade, sem Sicredi, sem Refeisul, sem Unimed, sem Carteira de Habilitação, sem CPF, e sem inspiração pra falar desse mundo injusto e desolador.
Levaram a chave do meu carro. Eu não tinha copia em casa. A noite, tivemos de achar um chaveiro que se dispussesse a levar o carro prá casa dele e fazer "miolos" novos. Trocar todos os segredos do carro. Todo esse trabalhão por dois minutos de assalto.
No outro dia, tive de ir a polícia fazer registro. Não tinha um tostão para pagar nem o ônibus porque afinal minha carteira fora levada (tinha uns reais dentro) e meu cartão de credito também. Fui a pé, sem bolsa e sem nada. Me sentia invisível, eu não tinha tiracolo, parece que estave desanexada do mundo. No caminho a policia, entrei em duas lojas para comprar uma bolsa sem dinheiro e sem documento. Explicara que havia sido assaltada e que quando o banco restabelecesse o cartão eu pagaria. Queria fazer no crédito. Mas as lojas so trabalhavam com cartão.
Foi um assalto fútil. Um assaltinho, nem tomou grandes proporções para valer uma cronica, diante de tantos assaltos com mortes que a gente percebe na imprensa. Mas foi meu assalto. Foi o assalto que me tornou invisível perante a sociedade. Foi um assalto que me tornou invisível perante mim. Caminhado sem lenço e sem documento até o Centro, para bloquear cartões, ir na CDL e outras providências, lembrei-me dos mendigos que habitam na Praça da Matriz. Muitos deles me disseram que já não tinha mais documentos, eu então me dei conta de o quao impactante é viver sem noção de origem ou referencia. Um paria social.
Consegui comprar uma bolsa na terceria loja em que eu tinha crediário. Mesmo com crediário, a lojista teve de pedir permissão a gerente, se poderia fazer esse tipo de negociação. Ou seja, quando tu é vítima, tu fica ainda mais vítima das coisas que te cercam. Porque em situação normal, seria so eu pegar o artigo e levar ao caixa, já que a loja tinha todas as minhas informações e eu so pagaria um mês depois. Mas como fui vítima e estava sem nada, ela ainda tinha de pedir permissão. Isso me deu tanta raiva quanto eu tive dos assaltantes.
Fui pra casa com a bolsa vazia, mas ao menos com algo em cima do ombro, para me sentir menos estrangeira no meu mundo social. Aguardo que alguma boa alma encontre os documentos e os leve para a Delegacia. Ligo todos os dias para a DP e Brigada Militar verificando se foram encontrados. Ainda não.
Fico relembrado meus atos na hora do assalto. Ora pergunto porque não reagi. Deveria ter feito um gesto brusco e tirado a arma do cara. Ora pergunto porque me agachei. Deveria ter ficado paralisada. Ora fico com vontade de entrar em um curso de Defesa Pessoal. Aliás, creio eu que nas escolas, os alunos deveriam ter aulas de Defesa Pessoal em vez de Educação Física. O MEC deveria urgentemente repensar o currículo escolar.
Facebook
Coloquei no Facebook uma frase bem-humorada de Millor Fernandes: "Ser pobre não é crime, mas ajuda muito a chegar la". Imediatamente, recebi reações adversas. De que os maiores ladrões são os políticos e os colarinhos brancos. Retruquei que só porque os maiores ladroes são os de colarinho, a gente não tem de dar anistia e perdão para os ladrões menores. As cadeias e polícias estão abarrotadas de ladroezinhos que nasceram e viveram nas favelas. É lógico que a pobreza é um fator de motivação para o crime. Quem duvida é doido. Sem horizonte social, sem ter nada a perder, sem emprego que pague o mínimo de dignidade, é muito mais fácil assaltar uma fruteira do que ficar coçando o saco se lastimando pela vida. È louco também que não entende que não dá para generalizar. Tanto pobres quanto ricos fazem isso. So que estamos tentanto ser politicamente corretos e queremos "defender" os que tem menos em nome da nossa pseudo-compaixão pelos oprimidos. Acontece que é preciso usar o principio da isonomia. Temos de punir tanto pobres quanto ricos. O fato de ricos roubarem não exclui que pobres não façam isso, mas sim e a gente nao tem de dar anistia pra eles. Se você cerca sua propriedade para impedir que vacas e bois comam o pasto e os dois invadem ruminando tudo, você só vai punir os bois e deixar as vacas?Não, vc vai pedir para o dono do rebanho levar esses animais maléficos porque está de saco cheio de todos eles.
Amanhã eu terei de ir a pé para o trabalho e voltar tambem. E terei de fazer isso algumas semanas ate que venha a segunda via da minha CNH. Sim, pq eu tenho de andar na lei e nao posso descumprir as regras de dirigir sem documento. Tudo por um assalto chinfrim. Enfim, continuo concordando com Millor Fernandes: Ser pobre não é vergonha. Tem muito pobre sem-vergonha.
Um comentário:
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