sábado, 16 de maio de 2009

A distância torna as coisas azuis

Quando eu era pequena, costumava ler dentro do roupeiro. Levava comigo uma lanterna com as pilhas fortes e me introduzia dentro de um mundo particular. Era ali que lia as histórias de Laura Ingalls, aquela do seriado Os Pioneiros, quem tem menos de 30 anos nem tente puxar pela memória, não vão lembrar mesmo. Dentro do cubículo, entronizada nas delgadas paredes daquele móvel roto e antigo eu conseguia me deslocar para campos verdejantes, travava contato com rostos sorridentes ou aventuras feéricas. Encarapitada nos cobertores, porque era exigência de mãe que eles não saíssem da li, eu me travestia dos personagens que lia. Nas minhas lembramças de infância, não me vem à mente momentos extremamente felizes com crianças de minha idade. Eu me reporto para aquele tempo e vejo o sabor da leitura meu assaz alimento. A vida depois passou tão rápido quanto as folhas manuseadas apressadamente de uma obra. Quinze, 19 e aos 23 lembro que pensei: como estou velha. Aos 26 me sentia uma idosa, a alguns passos de ser balzaquiana, eu suprimia a apreensão da idade. Os 30 chegaram e com ele, a saudosa lembrança dos tempos de outrora. E é aqui que quero comentar. Creio piamente que a gente idealiza as lembranças. Recordo de uma reportagem que li, com um senhor de Arroio do Meio, chamado Gente Boa. Tosco, humilde e vivido. Ele dizia que a distância torna as coisas azuis. Talvez Gente Boa, jamais tenha ouvido falar - e é certo que não - do astronauta russo Iuri Gagárin que do espaço sentenciou que a Terra era azul. Eu acredito que sim, que a distância e a isso estou me referindo ao espaço temporal modifica a cor dos acontecimentos passados. É natural nos pegarmos a dizer sempre no presente: "como nós éramos felizes, que saudades daquele tempo". E não nos damos conta de que aquele tempo poderia ser tão insípido quanto o gosto do chuchu ou então deleitoso quanto o agora. Mas a gente vivifica tanto na memória as sensações pretéritas que às vezes, desabonamos os nossos pequenos e atuais tormentos cotidianos ou nossas alegrias correntes. É legal trazer à tona o passado e todas as matizes de sentimentos os quais já vivemos, mas é recompensador açular a emoção para prender dentro da gente as sensações presentes, aquelas que pulsam na alma, sejam as que a gente desanca de dor ou aquelas em que nos regozijamos. Se a distância torna as coisas azuis, a proximidade pode ser fulgente.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pita, este texto está genial!!!!
Grande sacada essa sua, muito inteligente e com maturidade no ponto certo. Seus textos, mesmo quando são amargos, estão cada vez mais saboros. Adoro rúcula com radiche.
Meus parabéns!!!!

Beijos.
e.e.

Unknown disse...

obrigadissima,,hahahahah
beijos

Taciana Colombo disse...

Pita, LOve U. Genial!