domingo, 16 de setembro de 2007
Quero de volta o meu direito de ser frágil!
Desde que as mulheres queimaram sutiã em praça pública, em 1960, para protestar contra a opressão masculina, não tivemos mais sossego. Vivemos um turbilhão de eventos que nos levam e obrigam a ser modernas, independentes, decididas e objetivas. Nunca mais tivemos direito de ser dependentes e frágeis emocionalmente. Eu quero meu direito de volta. Necessito ter um colo masculino, chorar, sentir-me protegida e de um homem que ajude-me a administrar as contas. Não que ele as pague, afinal tenho necessidade de ser parceira na hora de batalhar. Mas putz, desejo que ele me diga: "amor, não esqueça, hoje vence o seu carnê, posso pagar a você." Eu nem exijo direitos tão iguais. Até porque com tanta evolução, ainda ganhamos 30 por cento menos na folha salarial para exercer a mesma e competente função no mercado de trabalho. Quero ter direito a usar lingerie de algodão bem simples e confortável. Não suporto fazer o tipo mulher fatal, independente, autosuficiente que sabe insinuar-se perante rendas finíssimas e um bumbum irretocável, próprio para usar fio dental. Eu nem sei fazer direito baliza e que mal há nisso? É antropológico não saber. Não tenho a mesma percepção espacial dos homens. Sou mulher. Desde o mundo das cavernas é assim, porque agora eu preciso ser braço na direção. Pinóia. Não tenho essa obrigação. Quero ser tratada como rainha do lar quando estou no lar. Sim, adoro trabalhar fora, ser eficiente na minha função, não sou de forma alguma subserviente. Tenho minhas opiniões, muitas são contudentes às vezes. Mas eu não quero ser super mulher todos os dias. Por favor, deixem-se ser dependente emocionalmente do regaço masculino sem temer ser chamada de Mariazinha. Eu troco meus dias de tigresa por uma pacífica existência de gatinha manhosa.
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Rodo cotidiano

Não tem nada de lírico na pobreza, mas do jornalismo que se faz dela sim. Sou apaixonada pela profissão e isso se deve ao fato de poder entrar na casa e na vida alheia. Conhecer anseios e mesmo frustrações. Por isso misturo o jornalismo literário com o social. Gosto de escavar histórias aparentemente pobres, de gente singela. O que uma senhora analfabeta, moradora de um casebre cheio de fendas e goteiras tem a dizer? Meu trabalho é dar voz a ela. Mais do que isso, ouvir o que ela diz, mesmo sabendo que não conseguirá expressar-se adequadamente através das palavras. Quando dou um passo para dentro da casa e da vida de uma pessoa, presto atenção nas paredes, quadros, na expressão do rosto, vincos da testa, no aperto de mãos. Acredito ter o dever de perceber a linguagem eloqüente dos sinais e passar isso para o papel. Transmitir o cheiro que recende do ambiente, da vida que está na minha frente. O olhar deve ser treinado para observar mais do que uma outra pessoa. É dever jornalístico passar ao leitor o que nenhum outro visitante da casinha perceberia, se adentrasse nela. Obrigação decodificar cheiros, gostos e sabores que se descortinam sob o véu da pobreza. Mais do que isso, temos de ter o ideal - quase um dever - de mostrar o valor impagável de todas as pessoas perante seus destinos. Apresentar argumentos para convencer que todos merecem viver com dignidade na boa e bela companhia do anonimato. Nosso trabalho é fazer o leitor perceber que na retaguarda de um plano de vida aparentemente insípido, esconde-se uma lenda pessoal. Alguém lutando para não ser denegrido pela cor da pele, falta do vil metal ou ausência da escolaridade. Uma matéria sobre o assunto não vai mudar a mundo e nem cabeça de ninguém. Mas muitas, transformarão a visão de quem lê. Ao bater sutilmente nesse rodo cotidiano, a tecla da imprensa pode desfazer preconceitos. Quebrar o gelo que transpassa pelas classes sociais. E a voz calada de gente simples têm grande chance de ressugir das verdades adormecidas. Saberemos então que nenhuma palavra será escrita para nascer morta.
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
Não fica parado na cadeira, presidente!

Os olhos azuis saltitantes denunciam toda a curiosidade que uma menininha pode ter do mundo. Com oito anos, Marianna poderia olhar o horizonte com óculos rosa pink e pensar apenas em seu jeito brejeiro de moleca. E com certeza ela faz isso sim. Mas tem um senso aguçado de justiça. Talvez na tenra idade, já transpareça uma certa ansiedade para rearranjar o planeta.
Essa entrevista foi realizada ao anoitecer de uma quarta-feira quente quando Marianna estava disposta a falar e se deixar ser indagada. Aqui um pouco da sua visão de mundo:
1- Como você vê a vida?
" A vida é boa. É alegre e divertida. Tenho muitos amigos e nós brincamos de várias coisas, como contar piadas e fazer charadas. Espero ter ainda mais amigos. Quero me divertir mais. Estar brincando, lendo, rabiscando, sonhando"
2- E das pessoas, o que você acha?
"Ninguém é especial, pois todo mundo tem seus defeitos. Mas todo mundo é como é"
3- O que você gosta de fazer?
"Eu gosto de ler. A leitura me ensina a falar palavras difíceis, que eu não sei ainda. Quando eu leio, vejo todos os que participam da história na minha frente. A leitura deixa a gente mais inteligente, porque a gente vai conhecendo as coisas."
4- E o que você pensa sobre o amor?
"O amor é uma coisa boa que todo mundo tem que ter. Para mim, o amor é fazer as pessoas felizes e isso é a coisa que elas mais querem. O amor deixa elas mais alegres"
5- Como a gente pode demonstrar amor pelas pessoas?
"O amor é dar as coisas que a gente não usa para as pessoas pobres. Outro exemplo é quando uma pessoa ama outra que ela viu. Ela tem que chegar na frente e dizer: eu amo você."
6- Você acha que amor então é dar coisas as pessoas pobres?
"Não é só isso, mas eu fico triste vendo pessoas pobres. Com pena de elas não terem nada, nem para comer. Queria poder ajudar, falar com o presidente."
7- O que você diria ao presidente?
"Ia falar para o presidente Lula considerar as pessoas que não têm nada na vida. Dizer que elas têm pouca comida. Queria dizer para ele ajudar, não ficar parado na sua cadeira ordenando para elas pagarem impostos"
8- E você acha que isso iria adiantar?
Acho que iria se eu falasse com calma. Ia dizer que isso tudo é problema dele. Porque se ele não ajudar, as pessoas não irão ter mais dinheiro para pagar ele e então vão ter de morar debaixo da ponte. E a ponte é propriedade dele"
(Pára mãe, eu não tenho mais idéias!)
P.S: essa entrevista foi feita com a minha filha. Fui o mais fiel possível ao seu linguajar, apenas suprimi algumas repetições e erros de concordância. Mas o vocabulário é dela. O orgulho é meu!!!
Essa entrevista foi realizada ao anoitecer de uma quarta-feira quente quando Marianna estava disposta a falar e se deixar ser indagada. Aqui um pouco da sua visão de mundo:
1- Como você vê a vida?
" A vida é boa. É alegre e divertida. Tenho muitos amigos e nós brincamos de várias coisas, como contar piadas e fazer charadas. Espero ter ainda mais amigos. Quero me divertir mais. Estar brincando, lendo, rabiscando, sonhando"
2- E das pessoas, o que você acha?
"Ninguém é especial, pois todo mundo tem seus defeitos. Mas todo mundo é como é"
3- O que você gosta de fazer?
"Eu gosto de ler. A leitura me ensina a falar palavras difíceis, que eu não sei ainda. Quando eu leio, vejo todos os que participam da história na minha frente. A leitura deixa a gente mais inteligente, porque a gente vai conhecendo as coisas."
4- E o que você pensa sobre o amor?
"O amor é uma coisa boa que todo mundo tem que ter. Para mim, o amor é fazer as pessoas felizes e isso é a coisa que elas mais querem. O amor deixa elas mais alegres"
5- Como a gente pode demonstrar amor pelas pessoas?
"O amor é dar as coisas que a gente não usa para as pessoas pobres. Outro exemplo é quando uma pessoa ama outra que ela viu. Ela tem que chegar na frente e dizer: eu amo você."
6- Você acha que amor então é dar coisas as pessoas pobres?
"Não é só isso, mas eu fico triste vendo pessoas pobres. Com pena de elas não terem nada, nem para comer. Queria poder ajudar, falar com o presidente."
7- O que você diria ao presidente?
"Ia falar para o presidente Lula considerar as pessoas que não têm nada na vida. Dizer que elas têm pouca comida. Queria dizer para ele ajudar, não ficar parado na sua cadeira ordenando para elas pagarem impostos"
8- E você acha que isso iria adiantar?
Acho que iria se eu falasse com calma. Ia dizer que isso tudo é problema dele. Porque se ele não ajudar, as pessoas não irão ter mais dinheiro para pagar ele e então vão ter de morar debaixo da ponte. E a ponte é propriedade dele"
(Pára mãe, eu não tenho mais idéias!)
P.S: essa entrevista foi feita com a minha filha. Fui o mais fiel possível ao seu linguajar, apenas suprimi algumas repetições e erros de concordância. Mas o vocabulário é dela. O orgulho é meu!!!
Legenda: Marianna e seu cão Teddy
terça-feira, 4 de setembro de 2007
Texto de verdade!
Vontade de ser similar a ela. Ao menos um genérico dela. Uma homenagem à sensibilidade de uma jornalista que luta contra o olhar domesticado. Eliane Brum e um trecho seu, da série A Vida que Ninguém Vê:
O SAPO
“O mais incrível é que o Sapo estava ali havia 30 anos. E há mais de uma década nos cruzávamos na Rua da Praia. Minha cabeça no alto, a dele no rés-do-chão. Eu mirando o seu rosto. Ele, os meus pés. Só dias atrás tive a coragem de me agachar e nivelar nossos olhares, subvertendo as regras do jogo de que ambos participávamos. Não nos reconhecemos.
Descobri que o nome dele é Alverindo. Ele soube que me chamo Eliane. Contou-me que os amigos o conhecem por ‘seu Vico’, e o povo da rua por Sapo. Por causa da eterna posição, lambendo com a barriga as pedras da rua. Contei-lhe que sou jornalista e escreveria sobre ele. E então apertamos as mãos. Eis o que conversamos:
— Como o senhor está?
— Com saúde e bastante preguiça. Preguiça, pra dizer bem a verdade, até por dentro dos olhos.
— Como é a Rua da Praia aí de baixo?
— Olha, é só perna. Um mar de pernas. Mas eu não vejo só perna, não. Vejo de tudo um pouco. Vejo coisa que nem devia…”
O SAPO
“O mais incrível é que o Sapo estava ali havia 30 anos. E há mais de uma década nos cruzávamos na Rua da Praia. Minha cabeça no alto, a dele no rés-do-chão. Eu mirando o seu rosto. Ele, os meus pés. Só dias atrás tive a coragem de me agachar e nivelar nossos olhares, subvertendo as regras do jogo de que ambos participávamos. Não nos reconhecemos.
Descobri que o nome dele é Alverindo. Ele soube que me chamo Eliane. Contou-me que os amigos o conhecem por ‘seu Vico’, e o povo da rua por Sapo. Por causa da eterna posição, lambendo com a barriga as pedras da rua. Contei-lhe que sou jornalista e escreveria sobre ele. E então apertamos as mãos. Eis o que conversamos:
— Como o senhor está?
— Com saúde e bastante preguiça. Preguiça, pra dizer bem a verdade, até por dentro dos olhos.
— Como é a Rua da Praia aí de baixo?
— Olha, é só perna. Um mar de pernas. Mas eu não vejo só perna, não. Vejo de tudo um pouco. Vejo coisa que nem devia…”
Cristal!
O papel dá poesia!
As dificuldades viram poemas lindos em folhas de papéis.
Fica tão bonito esboçar histórias tristes e mensagens de superação, de que a vida tem valor e de que eu tenho valor diante da vida! Desculpe-me Shakeaspeare, é sim também com você que estou falando! Mas é uma visão tão poliana ler e se inundar com essa retórica positivista vista a partir dos percalços cotidianos .
Pela caneta, provação e privação vira saga, jornada, trajetória ou desafio. Vale para produzir poemas, afinal ninguém faz versos compostos apenas por alegrias, seria muito fútil. O bonito é escrever quando existe tristeza. A melancolia é lírica. Dá um toque todo especial numa ode, num verso ou composição. É companheira ideal para os poetas. Mas na vida real, pôxa, esse requinte vira estôrvo. Melancolia quando sai das palavras e gruda na gente transforma-se em esculacho, uma super bonder que incomoda e não parece nada atraente, ao contrário, aparenta um rinoceronte. Eu prefiro desenhar borboletas coloridas, se é para riscar no papel alguma coisa bonitinha que vivenciei. Belos poemas, adoro lê-los, me solidarizo e emociono com eles. Mas opto para que fiquem apenas como um talento utópico, o qual eu nunca terei, já que para escrever tão lindamente é preciso invocar a experiência. Belos poemas geram turbilhões de emoções no papel, pergaminho, folha de almaço. Vida real, se me permitem a rima pobre, não é nada maternal.
Fica tão bonito esboçar histórias tristes e mensagens de superação, de que a vida tem valor e de que eu tenho valor diante da vida! Desculpe-me Shakeaspeare, é sim também com você que estou falando! Mas é uma visão tão poliana ler e se inundar com essa retórica positivista vista a partir dos percalços cotidianos .
Pela caneta, provação e privação vira saga, jornada, trajetória ou desafio. Vale para produzir poemas, afinal ninguém faz versos compostos apenas por alegrias, seria muito fútil. O bonito é escrever quando existe tristeza. A melancolia é lírica. Dá um toque todo especial numa ode, num verso ou composição. É companheira ideal para os poetas. Mas na vida real, pôxa, esse requinte vira estôrvo. Melancolia quando sai das palavras e gruda na gente transforma-se em esculacho, uma super bonder que incomoda e não parece nada atraente, ao contrário, aparenta um rinoceronte. Eu prefiro desenhar borboletas coloridas, se é para riscar no papel alguma coisa bonitinha que vivenciei. Belos poemas, adoro lê-los, me solidarizo e emociono com eles. Mas opto para que fiquem apenas como um talento utópico, o qual eu nunca terei, já que para escrever tão lindamente é preciso invocar a experiência. Belos poemas geram turbilhões de emoções no papel, pergaminho, folha de almaço. Vida real, se me permitem a rima pobre, não é nada maternal.